Rui Silva: É hora de assumirmos a responsabilidade pelo futuro do setor elétrico

É hora de assumirmos a responsabilidade pelo futuro do setor elétrico

Segredo para o setor elétrico vivenciar um ritmo diferente da economia, mantendo a trajetória de crescimento, é a estabilidade regulatória, pois garante aos investidores a previsibilidade financeira e oferece menos risco de capital

RUI ALTIERI SILVA

Presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica

Abertura do mercado. Risco Hidrológico. Sistemática de leilões e expansão da matriz. Há quantos anos convivemos com essas discussões na agenda do setor elétrico? Enquanto a CCEE comemorou 20 anos de existência em 2019, alguns temas também completaram aniversário. Contudo, o cenário da comercialização de energia é positivo, afinal os investidores continuam apostando em empresas e projetos, permitindo avanços e a garantia de suprimento para a população.

Olhando para a esfera de investimentos, em 2019 foram mais de 100 projetos de geração viabilizados, somando o aporte financeiro de R$ 13 bilhões. Apesar do cenário econômico, o setor elétrico encerra 2019 com um acréscimo de 1,5% na capacidade instalada de geração, alcançando 169 GW, além da contratação de 3GW para entrega entre 2023 e 2025. A expansão não para e o consumo sinaliza uma retomada. De janeiro a outubro, o país registrou aumento de 2,3% no consumo de energia elétrica.

E qual o segredo para o setor elétrico vivenciar um ritmo diferente, mantendo a trajetória de crescimento perante um cenário econômico de incertezas? A estabilidade regulatória garante aos investidores uma previsibilidade financeira, que oferece menos risco de capital. A governança do setor elétrico e a proximidade de suas instituições, que já possuem uma maturidade no desempenho de suas atribuições, contribuem para a credibilidade e a segurança. Mas nem tudo está perfeito, ainda mais quando se vislumbram as transformações da sociedade e a transição energética que ocorre mundialmente.

Nos últimos três anos, as teorias que circulavam entre estudiosos e representantes do setor começaram a ganhar forma. Demos um primeiro passo na excelente elaboração da Consulta Pública nº 33/2017, que estruturou as ideias de várias frentes em uma estratégia de evolução para o mercado. Em 2019, vivenciamos os grupos de trabalho da Modernização, numa iniciativa do Ministério de Minas e Energia em traduzir as propostas do passado em ações de curto, médio e longo prazo. Agora temos pela frente o grande desafio de colocar em prática os conceitos amplamente debatidos, sob a coordenação do Comitê de Implementação da Modernização (CIM).

Todos nós teremos papéis e responsabilidades na construção do futuro do setor elétrico. E, como a CCEE tem enfatizado em eventos e reuniões, precisamos agir. Cada instituição com sua atribuição, cada agente com sua visão e toda a sociedade com a supervisão dos passos que daremos. É nossa obrigação colocar no centro das decisões o consumidor de energia, que é o objetivo final de todas as medidas adotadas. Queremos a abertura do mercado? Temos que construí-la. Queremos uma matriz mais barata e limpa? Temos que construí-la. Queremos mais liquidez financeira? Temos que construí-la. Ou seja, temos que assumir a responsabilidade.

Em um artigo escrito para o livro de 20 anos da CCEE, Peter Greiner, secretário de energia entre janeiro de 1995 e março de 1999, comentou sobre a percepção das pessoas em relação ao projeto Re-Seb, que foi um marco importante para a viabilização do mercado de energia no Brasil. “O Re-Seb foi recebido com frieza e descrédito, alimentados por resistências corporativas e pela memória do fracasso de tentativas anteriores. Quem fosse a favor da abertura do setor à competição era visto como traidor; havia uma multiplicidade de interesses em jogo”, declarou. E, muitos que hoje atuam no setor, observam com incredulidade para o projeto de modernização que estamos construindo. Espero que no futuro lembremos dos próximos anos como um período de transformação positiva.

O mercado dá passos largos na consolidação da livre negociação. Após a Portaria MME nº 465/19 temos o desafio de desenhar em quatro anos uma estrutura que possibilite o acesso de todos às vantagens do mercado livre. Mas, lembremos que temos uma responsabilidade. É primordial que se evolua de forma sustentável e equilibrada. Repito periodicamente que é preciso alocar os custos e riscos de forma adequada, respeitando o consumidor, que é o verdadeiro motivo para existência de toda a estrutura energética do país.

Para 2020, a Câmara de Comercialização continua com seu desafio de manter a excelência nas operações e viabilizar a comercialização de energia no Brasil. Mas iremos além. Nos preparamos para um novo mercado, uma nova matriz e novas relações comerciais. Elencamos cinco temas para desenvolvimento prioritário. Não há uma classificação de itens mais importantes, mas a conjunção deles é fundamental para melhorar o ambiente de negócios e manter a atratividade do setor elétrico.

É inexorável colocar um ponto final no passivo do risco hidrológico. O cartão de visita que acompanha o mercado de energia desde 2015 pode ser uma barreira para novos projetos e iniciativas. Nós precisamos nos unir e destravar os R$ 8 bilhões em aberto. Ao mesmo tempo, é fundamental aprimorar o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), de forma a evitar que o problema se repita no futuro. O GSF não pode ser o protagonista do setor elétrico, ele deve ser mais um mecanismo existente para equilibrar a operação e comercialização.

Em 2020, temos uma janela importante para modernização da matriz elétrica com a integração do setor com o mercado de gás, que se estrutura para os próximos anos. Veremos essa relação se intensificar já no leilão programado para abril, onde as térmicas demonstrarão melhor custo-benefício, reduzindo tarifas e preços no futuro. Uma nova realidade na contratação dos projetos que darão segurança energética ao País.

Por fim, devemos avançar nas discussões de segurança de mercado, na formação de preço e na adequada alocação de custos e riscos no setor. E nestas três frentes de atuação, os agentes precisam assumir uma responsabilidade maior, que é vislumbrar as múltiplas relações existentes nos negócios. Mais do que interesses particulares, é crucial olharmos a estrutura do setor elétrico. Caso, as decisões e propostas se apequenem nas questões burocráticas ou custos operacionais, continuaremos apenas sonhando com um setor elétrico maduro. A nós, instituições, caberá também nos desapegarmos de conceitos do passado e inovarmos, aprendendo com os erros e acertos do nosso setor e de outros países.

*Rui Guilherme Altieri Silva

Presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE)

CRÉDITOS: Canal Energia