PCHs, Portaria MME 65/18 e o Leilão A4: fazendo Justiça e Paz?

A ANEEL sabe que afinal, o setor estava quase totalmente paralisado e marcado como “inviável” pelo mercado, graças às exigências irregulares da extinta SGH, confirmadas pelo TCU

A superintendência de concessões de geração da ANEEL acaba de divulgar para as associações do setor de PCHs um balanço extremamente positivo de suas atividades.

São números impressionantes, que merecem ser melhor divulgados pela agência, pois não apenas estimulam o mercado, mostrando a produtividade da ANEEL, mas também reconfortam quem cumprindo seu dever na ABRAPCH, APINE, ABRAGEL, ABIAPE e outras associações, nos empenhamos para deixar claras, primeiro à agência e depois ao Tribunal de Contas da União, as exigências irregulares, ( comprovadas pelo acórdão TC 45681/2012 daquela corte ), que “barraram” por mais de sete anos o trâmite normal de 810 projetos de PCHs, num total de 7.000 MW. Ou seja: barravam meia Itaipu de projetos!

Foram equívocos que custaram a paralisação de mais de 1,1 bilhões de reais de investimentos privados em levantamentos de campo, estudos geotécnico-geológicos, projetos de engenharia, estudos ambientais, regularização fundiária, estudos antropológicos, arqueológicos, aquisição de áreas, entre outros. E que impediram o investimento total de mais de 50 bilhões de reais em todo o Brasil.

Equívocos que assustaram investidores e desgastaram a imagem dessa importante fonte renovável. Uma mancha que levará muito tempo para sair da longa lista de tratamentos injustos que o Estado Brasileiro já submeteu muitos investidores privados, enquanto beneficiava a poucos.

Outra boa notícia destes últimos dias é a portaria 65/18 do Ministro de Minas e Energia, que chegou muito tarde, ainda apresentando algumas distorções, agora no setor eólico. Mas que reajustou, em 300%, o valor de referência das PCHs e CGHs, dos irrisórios R$ 122,00/MWh para R$ 360,00/MWh. Depois de mais de dez anos sem qualquer reajuste.

O problema da portaria 65/18 é que seu atraso foi tão grande que gerou, para a superintendência de concessões da ANEEL, (aquela que analisou mais de 800 projetos de PCHs que estavam nas prateleiras por equívocos anteriores), um grande dilema, um verdadeiro “abacaxi”.

Qual seria esse dilema? Ora, o dilema de ter que aplicar ou não aplicar uma severa punição prevista na resolução ANEEL 673/15 que manda arquivar os projetos e disponibilizar para “qualquer interessado” os eixos dos investidores que não os tenham conseguido estruturar financeiramente no prazo de três anos após sua aprovação, apresentando garantias.

A “saia justa” ocorre porque os técnicos da agência sabem que a grande maioria desses empresários não merecem ser punidos, pois não estavam “fazendo reserva de mercado”, como acusam agora os que estão “de olho” nesses eixos para herdá-los de graça, comprar os projetos licenciados na “bacia das almas” e revende-los com lucros enormes. Como gostam de fazer, praticando uma forma primitiva de “canibalismo hidrelétrico”.

A ANEEL sabe que afinal, o setor estava quase totalmente paralisado e marcado como “inviável” pelo mercado, graças às exigências irregulares da extinta SGH, confirmadas pelo TCU.

Além disso, seria altamente injusto punir quem não conseguiu começar a construir as usinas nesse prazo, se os preços de compra da energia das PCHs como de outras renováveis foram fixados pelo governo federal em níveis 300% inferiores a um valor exequível, como agora prova o próprio MME ao editar a portaria 65/18.

Todos na ANEEL sabem que nesse período era impossível conseguir financiamento, mesmo no BNDES, se os preços estavam reprimidos desta forma. E mais ainda, passando por três anos de crise econômica estrutural com indicadores piores do que da Grande Depressão de 1929.

Felizmente a resolução 673/15 permite à ANEEL prorrogar pelo mesmo período o prazo de três anos. Embora, seria muito melhor que um novo comando regulamentasse essa prorrogação, para uniformizar procedimentos, removendo qualquer aparência de favorecimento especifico a cada caso. Além de diminuir a burocracia e a papelada.

Se precisasse a prorrogação ser justificada, bastaria lembrar que não foi a ANEEL responsável por estes preços impossíveis de remunerar o capital, mas sim a EPE/MME. E que, ela, ANEEL, cumprindo a Lei 9427, insurgiu-se contra os mesmos, classificando-os em estudo levado ao ministério, de “inexequíveis”, com estudos técnicos à mão, sem ser ouvida, infelizmente.

A prorrogação se justificaria ainda, em primeiro, porque nos dez anos de congelamento do Valor de Referencia, a inflação pelo IPCA subiu mais de 150 % enquanto o reajuste do VR foi zero.

Em segundo porque esse “congelamento” impediu às distribuidoras de, cumprindo a lei, comprar 10% de seu total das fontes renováveis, já que apenas poderiam transferir às tarifas ao consumidor custos até o irrisório valor de R$ 122,00/MWh.

Em terceiro porque, devido aos valores inexequíveis, a grande maioria dos 810 projetos de PCHs “libertados” pela SCG/ANEEL foi “proibida na prática” de participar dos leilões vendendo apenas 1,5% de toda a energia comprada, um pouco mais de 750 MW.

Em quarto porque foi graças a esses preços inviáveis, que centenas de contratos de até R$ 1.600,00/MWh tiveram que ser adjudicados às termoelétricas fósseis. Tudo sob duas maldosas alegações: a primeira foi “falta de oferta das hidroelétricas nos leilões”. E a segunda “os problemas ambientais destas fontes”.

Quando na verdade o motivo era que o BNDES negava-se a financiar projetos privados que, por culpa do teto inexequível de preços fixados pelo próprio governo, não eram viáveis de jeito nenhum.

Por tudo isso, a prorrogação é a solução mais justa, equânime e equilibrada que a ANEEL poderá tomar, pois leva em conta a segurança jurídica e reconhece a importância e o valor para o país, dos investimentos já incorridos por estes empresários.

E principalmente, considera de forma consciente e responsável que nos últimos três anos, nem a economia do país, nem o próprio governo, ofereceram preços compatíveis nem condições que permitissem aos empreendedores investir sem correr enormes riscos de inadimplir com suas obrigações.

E finalmente, o governo reconheceria que os empresários que investiram tantos anos em projetos, sem poderem construí-los por conta de equívocos do próprio governo, por seu desprendimento e coragem mereceriam uma homenagem. E nunca, punição.

Esse final poderá ser até um final feliz, marcando a “pax brasiliensis” entre o setor de PCHs e o governo, com muitos projetos habilitados, muitas garantias depositadas e muita energia vendida no Leilão A4. Isto é claro se a sinalização de montante contratado e teto de preço forem compatíveis com as condições do mercado e principalmente com a Portaria 65/18.

Ivo Pugnaloni é engenheiro eletricista, foi presidente da COPEL DISTRIBUIÇÃO, fundador e presidente da ENERCONS, ENERBIOS e ABRAPCH