Negociação de governo com geradoras avança, mas ainda não há acordo

Valor, 31/07/2015

A decisão do governo de reconhecer e reembolsar as geradoras retroativamente pelas perdas com o déficit hídrico fez avançar as negociações para um acordo, que deve transferir a conta para o consumidor a partir de 2018. No entanto, as inúmeras incertezas na proposta da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), apresentada na quarta-feira aos agentes, devem frustrar a expectativa do Ministério de Minas e Energia de se chegar a uma solução final nos próximos dias.

O déficit de geração diz respeito à diferença entre a energia prevista dos contatos das hidrelétricas e o volume efetivamente entregue por elas. Essa diferença, que em condições normais de hidrologia é irrelevante, chegou a 20% neste ano, em meio à seca e à prioridade de despacho térmico para recompor os reservatórios.

Com isso, as perdas das geradoras, que precisam recorrer ao mercado de curto prazo, devem somar entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões, estimam especialistas. Diversas usinas conseguiram liminares na Justiça limitando seu risco a 5%, inviabilizando a liquidação do financiamento do mercado à vista, que está sob risco de colapso.

Na proposta apresentada pelo governo, houve um novo desenho do compartilhamento do chamado “risco hidrológico”, com tratamento diferenciado para os contratos voltados ao mercado regulado, no qual os clientes são atendidos pelas distribuidoras, e o livre, no qual são firmados contratos diretos com os clientes.

Em ambos, o risco hidrológico seria eliminado e repassado aos consumidores a partir de 2018. Para o mercado regulado, a contrapartida exigida é a redução dos preços dos contratos de longo prazo já vendido em leilão, como forma de compensar a mitigação do risco. Para as usinas com concessões mais próximas do fim, o “reembolso” pelos gastos a mais com o risco hidrológico ocorreria na forma de extensão dos contratos. Já para o mercado livre, o compromisso é de investimento em nova capacidade de energia de reserva.

A nova proposta foi considerada um avanço, mas detalhes relevantes impedem que a negociação se encerre. Segundo três fontes ouvidas pelo Valor, o reconhecimento das perdas retroativas, desde o começo de 2015, quando o problema se agravou, foi considerada o principal ponto positivo. A questão é como se dará o cálculo do valor a ser reembolsado. Nas discussões da primeira audiência pública sobre o tema, havia grande divergência entre o entendimento da agência e das empresas sobre esses gastos.

Também ainda não foi discutido pelo ministério como as geradoras vão se financiar entre 2015 e 2018 – diversas usinas estão com restrições de caixa e operando mediante financiamento de capital de giro, a custo elevado. A possibilidade de criação de um fundo de direitos creditórios, com aval do Tesouro, é uma das alternativas na mesa.

No mercado, a repercussão da proposta foi positiva. Ontem, o Índice de Energia Elétrica (IEE) avançou 1,94% frente a queda de 0,69% do Ibovespa. A maior alta ficou por conta dos papéis preferenciais classe B (PNB, sem direito a voto) da Cesp, que subiram 4,48%. De acordo com cálculos do Credit Suisse, caso a empresa seja reembolsada pelas perdas do primeiro semestre de 2015, seu valor de mercado pode subir até 14%. A segunda maior beneficiada, aponta o banco, seria a Cemig, que poderia ter um avanço de 8% na sua capitalização. Os papéis da estatal mineira subiram 2,78%.