Geração e distribuição voltam a ser atrativas

Valor Econômico | Por Camila Maia e Rodrigo Polito | De São Paulo e do Rio

Os dois leilões do setor elétrico marcados para esta semana devem ser bem-sucedidos, mas ainda distantes da intensa competição que marcou os certames de infraestrutura de transmissão de energia no país nos últimos dois anos.

Serão licitadas três concessões de distribuição de energia hoje administradas pela Eletrobras, e também contratados projetos de geração de energia com duração de 20 a 30 anos. A expectativa de especialistas é que os dois certames tenham demanda dos investidores.

O número de participantes na privatização das distribuidoras, contudo, deve ser limitado por características próprias das concessionárias à venda, que carregam dívidas e grandes ineficiências.

Em relação ao leilão de sexta-feira, que vai contratar projetos de geração de energia com entrega prevista para 2024, há grande interesse dos investidores. O problema está no lado da demanda. As distribuidoras, responsáveis pela contratação, têm sido mais conservadoras, uma vez que o consumo de energia responde diretamente ao crescimento da economia. O principal destaque deve ser a fonte eólica, para o qual se espera a contratação de cerca de 1 gigawatt (GW) em novos ativos.

Embora a expectativa seja positiva, o clima em torno dos certames diverge do visto antes dos últimos leilões de transmissão, setor que também enfrentou anos de crise mas vem em uma trajetória de recuperação expressiva desde 2015. Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a taxa média de sucesso dos certames entre 2013 a 2017 foi de 68,3%. Considerando o recorte de 2016 a 2017, a taxa sobe para 94,3%. O leilão de junho deste ano, por sua vez, teve todos os lotes licitados, com deságio superior a 50%.

“Os leilões de geração e as distribuidoras não estão no mesmo patamar de atratividade que transmissão, que se provou um negócio muito estável e sem riscos de contraparte. Isso se traduziu em um nível de competitividade incrível, deságios muito altos”, explicou o advogado Roberto Lima, sócio do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados.

Segundo Lima, enquanto o setor de geração ainda tem várias questões que precisam ser amadurecidas, como o risco hidrológico, as distribuidoras que serão privatizadas enfrentam uma situação financeira complicada, o que será um desafio para os investidores superarem.

Amanhã, não havendo decisões judiciais “surpresa”, as distribuidoras de energia de Roraima (Boa Vista), Rondônia (Ceron) e Acre (Eletroacre) devem ganhar novos donos privados, substituindo a Eletrobras, que há muito tempo quer sair do segmento.

“Acho que haverá pouca competição, os ativos não são muito atrativos”, disse Ana Karina Esteves de Souza, sócia do escritório de advocacia Machado Meyer.

O Valor apurou que no mínimo duas empresas aportaram garantias na segunda-feira pelas concessionárias. A Oliveira Energia, empresa de Roraima especializada em geração nos sistemas isolados (não conectados à rede), tem interesse na Boa Vista Energia.

A Energisa, por sua vez, se habilitou para arrematar a Ceron. Fontes do mercado comentam que faria sentido a companhia levar também a concessionária do Acre, com a possibilidade de ganhos sinérgicos com as concessões no Mato Grosso.

Em relatório publicado ontem, o Bradesco BBI destacou que a Energisa está bem posicionada para levar a distribuidora de Rondônia. Segundo os analistas Francisco Navarrete, Bruno Arruda e Victor Oliveira, se a Energisa tiver sucesso com uma oferta sem descontos em relação à flexibilização tarifária da concessionária, a elétrica controlada pela família Botelho poderá ter um ganho em valor presente líquido equivalente a R$ 2 por unit, cerca de 7% do preço dos papéis na bolsa.

Na sexta-feira, será a vez do leilão A-6 de geração de energia. “O setor de geração tem que andar. O lado positivo é que, independentemente do cenário político instável, o setor de energia anda. Mas ainda há pautas que precisam ser discutidas”, afirmou Julio Martins, vice-presidente de energia da Schneider Electric para o Brasil.

Com a expectativa de baixa demanda e regras que limitam a presença de termelétricas (não será possível contratar projetos grandes por inteiro), os projetos de geração eólica devem ser os vencedores do certame. A fonte, que tem crescido exponencialmente no país desde a estreia, em 2009, não vê bons leilões há três anos.

“Esse leilão será um divisor de águas para selecionar os fabricantes. Apesar de o mercado estar aquecido e ter um volume de contratação razoável, acredito que esse volume [de contratação do leilão] não seja suficiente para atender todos os fabricantes que estão aqui”, afirmou David Lobo, diretor comercial da Nordex Acciona.

Também poderão participar do leilão projetos de hidrelétricas e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Segundo Ricardo Pigatto, presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), a entidade “estará atenta” à demanda alocada na fonte, historicamente mais baixa que outras fontes em leilões de geração de energia.