ENASE: Da expectativa à apreensão em 12 meses

Retirada da MP 814 da pauta do Congresso Nacional trouxe um tom de resignação quanto aos avanços do setor elétrico este ano, mas o trabalho de 2017 está longe de ser perdido com alternativas para sua implantação.

MAURÍCIO GODOI, DA AGÊNCIA CANALENERGIA, DO RIO DE JANEIRO

O misto entre expectativas positivas e apreensões quanto à crise política que era iniciada 12 meses atrás deram espaço, neste ano, a um desânimo relativamente moderado acerca dos caminhos que o atual governo dará ao setor elétrico e seu futuro. Poucas horas antes do início da 15ª edição do Encontro Nacional do Setor Elétrico, ocorrido nos dias 23 e 24 de maio, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) anunciava a retirada da MP 814 da pauta, o que levaria à sua caducidade nesta sexta-feira, 1º de junho. Esse era considerado o primeiro pacote de uma série de medidas que ajudaria a destravar amarras do mercado na busca da tão esperada modernização do setor, e seria seguida posteriormente pelo PL 1917 (da portabilidade da conta), a privatização da Eletrobras e, finalmente, o projeto de lei decorrente da CP 33.

A expectativa era grande para o discurso do ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, para os cerca de 1 mil participantes do evento. Mas em função do aprofundamento da crise decorrente da greve dos caminhoneiros ele preferiu centralizar sua atuação em Brasília e quem o representou foi o novo presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Reive Barros. O ex-diretor da Aneel apresentou o discurso que o ministro faria no evento, destacando a preocupação com questões tarifárias, melhoria da operação do mercado no sentido de não onerar o consumidor e a modernização do marco regulatório.

“Desde sua chegada, o ministro se dedicou a estudar as tarifas com os técnicos do MME e entender como melhorar o estado das coisas para os consumidores, sejam eles da classe residencial, comercial ou industrial, mas sem artificialismos na tarifa e que remunere o investimento, pois é fundamental manter a competitividade da indústria e a atratividade do setor”, discursou. “As reformas são importantes e não podemos perder a segurança energética para toda a sociedade”, acrescentou.

Tarifas são estudadas visando manter a competitividade do país, mas mantendo a remuneração do investimento.Reive Barros, da EPE

O discurso mostra que o Poder Executivo segue o caminho convergente com o setor no sentido da modernização, tema que tanto se discutiu ao longo de 2017 e que resultou no projeto da CP 33. Mas, apesar dessa convergência de pensamento, o ano de 2018 não aparenta ser amigável para mudanças tão profundas, e essa impressão dos agentes foi retratada na enquete realizada com os participantes do Enase.

Segundo a pesquisa, 61% das pessoas acreditam que há uma pequena possibilidade de as medidas relacionadas ao setor serem votadas no Congresso Nacional ainda neste ano, sendo que para 31% do público não há chance de isso acontecer. Na percepção de 94% do público, se mantendo o modelo atual, em quatro anos o setor estará desatualizado ou muito desatualizado em relação a mercados internacionais modernos. A pesquisa ainda sinalizou que, em se mantendo o status quo, o preço da energia deverá aumentar bem acima da inflação nos próximos dois anos.

Ainda para a maioria (52% das opiniões), o pilar para redução tarifária no Brasil está na CP 33. E para 54% do público, o principal objetivo de uma modernização do modelo é ajustar o equilíbrio econômico e financeiro do setor elétrico, sendo que para 34% a mudança promoveria uma maior liberdade de escolha do fornecedor ao consumidor de energia.

Em decorrência dos assuntos dependerem diretamente da atividade do Congresso Nacional, há muitas dificuldades em aprovar medidas. A começar pela proximidade com a Copa do Mundo de futebol, que reduz o número de dias úteis, seguida ainda pela festa junina, que é o mais importante evento no eixo Norte-Nordeste e que culmina finalmente com o próprio processo eleitoral de outubro e a campanha que precede o pleito.

Expectativa era resolver a questão legal em 2018 e iniciar a regulatoria em 2019.Mário Menel, do Fase

Esse verdadeiro choque de realidade que o setor tomou na noite anterior pôde ser verificado com o discurso de abertura do presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico, Mário Menel. “Eu tinha preparado para o Enase um discurso bonito, mas tive que rasgá-lo ontem à noite”, resumiu ele. “Nossa expectativa era a de resolvermos as questões legais no primeiro semestre e atuar nas questões regulatórias no âmbito da Aneel a partir de 2019. Agora, causa apreensão ao setor a expectativa de que poderá ser perdido todo o trabalho realizado pelos agentes, até porque no início de 2019 teremos um novo governo. O temor é ter que começar do zero e perdemos tudo o que foi feito”, afirmou o executivo.

Esse sentimento foi externado de diferentes formas por diversos atores do setor elétrico ao longo dos dois dias do evento realizado no Rio de Janeiro. Até porque, a MP atacava pontos mais urgentes do setor, entre eles, o equacionamento dos débitos que se acumulam na liquidação financeira do mercado de curto prazo. De acordo com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, na mais recente operação, realizada no início de maio, ficaram em aberto cerca de R$ 7,3 bilhões, divididos em R$ 6,13 bilhões relacionados às liminares contra o GSF e R$ 1,14 bilhão a inadimplência propriamente dita, como lembrou o presidente do Conselho de Administração da CCEE, Rui Altieri, em sua participação.

O próprio Menel, do Fase, ressaltou essa como a questão mais urgente do setor no momento e de curto prazo. Ele disse na semana passada que haveria uma possibilidade de que a MP 814 pudesse ser utilizada ainda para trazer essa solução do GSF por meio da retirada de todos os outros temas constantes do texto final da MP para que esta ficasse apenas com o risco hidrológico.

Outras sugestões apresentadas vieram no sentido de incluir as matérias da MP 814 até mesmo no PL da portabilidade. Contudo, o deputado federal Fábio Garcia (DEM-MT) evitou se comprometer com demandas da MP 814, uma vez que o Congresso sinalizou não levar a matéria para votação. O PL de qual o deputado é o relator ganhou mais importância ao incorporar as propostas da CP 33. Ele comentou ainda em sua participação que deseja manter o consenso e a coerência que foi construída pelo setor elétrico no projeto. E que não é saudável incorporar matérias estranhas para resolver pontualmente o problema de um ou outro segmento.

É possível a inclusão de itens, desde que necessários para o funcionamento do setor elétrico.Deputado Federal Fábio Garcia (DEM-MT)

Garcia teme que a inclusão de temas polêmicos da MP 814 acabe inviabilizando a tramitação do PL 1917. “Não confirmei a inclusão de nada da MP, mas é possível [a inclusão de alguns temas] desde que sejam necessários para o funcionamento do setor elétrico e para o funcionamento do Projeto de Lei 1917 da reforma do setor”, contemporizou. E ainda avisou que iria tentar encontrar uma solução para o GSF, impasse que trava o mercado de energia, antes da votação da CP 33.

Para Marcelo Moraes, da Dominium Consultoria, que apresentou um painel político no Enase 2018 um excesso de MPs que deveriam ser votadas na mesma época pode ter ajudado a inviabilizar a votação da MP 814.“Se tivessem feito um trabalho de avaliação mais rápido nas comissões, talvez isso fosse mais gradativo, mas aconteceu de ter as oito numa única semana e a oposição escolheu como vilã a MP 814 por ter a questão da Eletrobras”, apontou.

Ele coloca como plano B para a MP 814 a costura de um grande acordo com todas as forças para que pudesse ser colocado o GSF em votação da medida, já que apenas foi retirada de pauta e poderia ser votada nesta semana. Caso isso não seja possível, seria apresentada uma MP apenas com o GSF, solução que encontrou respaldo nas avaliações de outros agentes presentes ao evento.

A MP 814 foi escolhida como a vilã da pauta por conter assuntos referentes a privatização.Marcelo Moraes, da Dominium Consultoria

Em sua avaliação, o período pós-eleitoral, do fim de outubro até dezembro, pode não ser ruim com o setor elétrico. Projetos como a da CP 33 e o da Eletrobras continuarão tramitando e caso quem vença as eleições esteja alinhado com o atual governo, as chances de êxito na aprovação aumentam. Caso contrário, o reverso acontece e tudo volta para estaca zero.

Um dos atores mais diretamente envolvidos no processo da MP além do governo é o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior. Ele esteve presente no painel que reuniu seis CEOs de grandes corporações do setor elétrico. E a impressão geral de todos é de que mesmo com a reviravolta da MP 814 os passos são dados com mais firmeza, no sentido de garantir que o que foi debatido e exaustivamente discutido pelo setor possa entrar em vigor com as virtudes com que foram apresentadas aos legisladores do país.

Apesar dos problemas potenciais que podem ser enfrentados pela companhia, Ferreira é compreensível à retirada da MP 814 em decorrência das diversas inclusões de temas de fora do projeto original. E ressaltou que prefere ver ações como esta que dão uma perspectiva positiva ao setor “de que está se fazendo o que deve ser feito” olhando para o futuro de forma mais adequada. E isso, acrescentou, traz uma melhor perspectiva de construção do país. Contudo, alertou que não se pode ignorar as coisas que acontecem no meio do caminho.

Entre esses problemas estão as discussões acerca da viabilidade de venda das distribuidoras da estatal que deveriam ir a leilão ainda no mês de junho. O presidente da estatal disse antes de ir a Brasília para tratar deste assunto com o ministro Moreira Franco e equipe técnica do MME, que ainda acredita na venda das distribuidoras efetivada este ano mesmo com o engavetamento da medida. Sua expectativa estava baseada na avaliação do próprio Rodrigo Maia (DEM-RJ), que indicou a possibilidade de existir alternativas para o processo, uma vez que a recusa em votar a MP deveu-se a questões acessórias ao seu objetivo básico, mais conhecidos como ‘jabutis’.

Impactos tarifários advindos do que foi incluído na MP 814 causaram incômodo nos congressistas.Wilson Ferreira Jr, da Eletrobras

Ferreira Júnior disse que está otimista quanto ao andamento do processo apesar de não dizer qual pode ser a alternativa técnica que traga a solução para a venda desses ativos. A pior alternativa, continuou ele, é a caducidade das seis distribuidoras e a consequente liquidação das concessionárias que a empresa opera. Tanto para empresa que teria que assumir mais custos quanto para o consumidor que não seria atendido em suas necessidades.

Por sua vez, João Carlos Mello, da Thymos Energia, avaliou que o fato de tirar a MP 814 da pauta desanimou potenciais compradores das distribuidoras do grupo Eletrobras. Pelas suas contas, o custo de uma eventual liquidação dessas concessionárias é de aproximadamente R$ 25 bilhões. Esse valor corresponde a todo o passivo dessas empresas e que precisariam ser assumidos pela estatal.

Ele classificou como ‘péssima’ a decisão do Congresso e disse que neste jogo político todo mundo perde. Em sua opinião, o Governo terá que encontrar uma solução para resolver esse impasse. Sem dar muitos detalhes, Mello revelou que havia ao menos dez potenciais compradores avaliando as seis distribuidoras do Norte e Nordeste.

O diretor da PSR, Bernardo Bezerra, comentou que mesmo com o que ocorreu, os planos para o futuro do setor elétrico continuam. Em sua avaliação, há a possibilidade de que o PL a ser aprovado não seja remendado. Mas, para isso, acrescentou, é necessário um esforço de todo o setor para implementar esse processo. E nesse sentido a realocação de riscos é um dos pontos essenciais.

Outro foco de preocupação pode estar no processo de troca da diretoria da Aneel. Na opinião do atual diretor geral da agência reguladora, Romeu Rufino, cujo mandato se encerra em agosto próximo, junto ao de André Pepitone e de Tiago Barros, a troca de toda a diretoria da agência em um intervalo de menos de 12 meses é um inconveniente que não deveria acontecer, devido ao risco de descontinuidade das medidas em andamento na agência.

Investidores potenciais para a compra das distribuidoras da Eletrobras ficaram desanimados.João Carlos Mello, da Thymos Energia

Rufino ainda comentou em sua participação que mesmo com o projeto de lei do novo modelo ficando mais complicado a cada dia que passa, muitos temas podem entrar em vigor através de processos da própria agência reguladora. Segundo ele, muitos temas da CP 33 eram do interesse e agrado da agência, como a tarifa binômia e o preço horário. Esse primeiro caso, exemplificou ele, está em consulta pública na agência e está prevista na agenda regulatória. “Isso será feito independente da aprovação ou não da CP 33”, observou o executivo que apontou ainda a necessidade de muitas mudanças estruturais no setor a serem feitas por meio de soluções definitivas para resolver os problemas e não apenas atenuantes.

Mesmo diante deste cenário de incertezas quanto aos caminhos que o setor elétrico terá, os agentes colocaram em prática a proposta de discutir o cenário do setor para os próximos quatro anos. O debate foi marcado por convergência de opiniões acerca de questões tributárias, de redução da tarifa e pela necessidade da retomada da contratação das fontes pelo baixo volume de projetos viabilizados nos últimos anos, fruto de uma expansão do consumo mais baixa do que a prevista.

Geração Renovável
O fato de haver esse baixo nível de contratação ganhou um capítulo especial no segundo dia do Enase. O painel geração renovável reuniu no mesmo debate as fontes hídricas de usinas até 50 MW, biomassa, solar e eólica. Em seu posicionamento, Élbia Gannoum, presidente executiva da ABEEólica, alertou que o momento é de olhar para o médio e longo prazo. Essa reflexão, comentou, vem em função do sinal amarelo que os preços da energia nos últimos certames apresentaram, resultado da inexorável tendência de queda para a eólica e solar, principalmente, bem como do atual patamar da demanda.

Trocar toda a diretoria em um intervalo menor que 12 meses é um inconveniente que não deveria ocorrer.Romeu Rufino, da Aneel

“Em tempos de crise econômica e política, bem como do desastre da [MP] 814, devemos falar de médio e longo prazo, pensar lá na frente”, discursou Élbia. “Estamos vendo uma tendência de discussão e de rivalidade entre as fontes, a ausência de demanda leva a isso. Estávamos sempre preocupados em prover a oferta de energia no Brasil que crescia a 6 GW ao ano.

Com esse volume não tem briga, há espaço para todos. Assim que o esperado crescimento econômico chegar quem perderá será o setor e a sociedade brasileira”, acrescentou a executiva da ABEEólica ao alertar para que essas disputas podem levar ao que classificou de um processo de perde-perde.

Nesse sentido de ampliar a discussão sobre o espaço para todas as fontes no país, Roberto Miranda, diretor comercial da Torres Eólicas do Nordeste e que desde o final de abril é um dos membros do Conselho de Administração da ABEEólica, procurou traçar alguns caminhos para as renováveis menos presentes em leilões. Ele posicionou-se a favor de ver as PCHs, CGHs e biomassa sendo contratadas e como não vêm apresentando forte espaço nos leilões, ele procurou indicar possíveis alternativas. No caso das duas primeiras lembrou ainda dos royalties que a fonte paga pelo uso da água.

Leilões regionais para atendimento de ponta poderia viabilizar a construção de mais PCHs e CGHs.Roberto Miranda, da TEN

“O volume de PCHs que vem sendo contratado realmente é baixo, uma saída pode ser a retomada da proposta de leilões regionais para atender os horários de ponta e contemplar suas externalidades”, comentou Miranda. Outra questão pertinente levantada pelo executivo da TEN nesse sentido seria a contratação, tanto das hídricas quanto da biomassa, via distribuidoras na modalidade geração distribuída e lembrou ainda que seria interessante para o país ver mais biomassa originada de florestas.

O presidente do conselho de administração da Abragel, Luiz Otávio Koblitz, concordou com essa opção dizendo que esse é um formato interessante para atendimento das demandas regionais e por fonte, justamente pela vantagem competitiva que as externalidades das PCHs e CGHs apresenta e que não é considerada nos certames. Já Paulo Arbex, presidente da AbraPCH, destacou ainda que os leilões poderiam ser organizados pela Aneel e EPE, mas lembrou que é preciso admitir uma certa flexibilidade para que os volumes via geração distribuída não sejam considerados para a sobrecontratação ou subcontratação das concessionárias de distribuição.

Em relação à solar, Miranda avaliou que a fonte deveria passar ainda por um processo de amadurecimento técnico ante seu atual momento para em um período posterior entrar na disputa contra outras postulantes a CCEARs no mercado regulado. “Não vejo a solar em condições de disputar com as demais fontes, precisa evoluir no atual momento e depois sim poder disputar leilões com as demais”, pontuou.

Devemos olhar o médio e longo prazo e não entrar em um processo de perde-perde para quando a demanda voltar.Élbia Gannoum, da ABEEólica

Rodrigo Sauaia, presidente da Absolar, por sua vez, afirmou que a fonte está preparada e que a melhor forma de provar essa capacidade de competição seria justamente a de participar do leilão A-6. Ele reclamou que gostaria de entender os motivos que levaram o governo a não permitir, novamente, a participação da solar fotovoltaica neste certame agendado para 31 de agosto. Assim como havia afirmado previamente a presidente executiva da ABEEólica, Élbia Gannoum, esse horizonte de contratação seria da mesma forma que para a eólica uma sinalização de longo prazo que o país teria com a fonte. Em comum, todos apontaram a necessidade de manter as empresas de sua cadeia de fornecimento ativas no país para não correr o risco de perder a estrutura produtiva já estabelecida localmente ou incentivar a chegada de um número maior de players.

A solar fotovoltaica precisa da mesma sinalização de longo prazo do governo que a eólica.Rodrigo Sauaia, da Absolar

Geração de base e transmissão
Surfando nas ondas da expansão renovável, a geração térmica segue otimista quanto às perspectivas nos próximos anos. Acontece justamente que, para atribuir maior segurança ao sistema há a necessidade de que exista capacidade para atender o mercado em momentos de variação natural de geração, principalmente a eólica e a solar. Esse otimismo encontra base mais sólida quando se analisa o resultado do leilão A-6 do ano passado com a contratação de duas usinas térmicas a gás.

Esse movimento já acontece nos países da Europa e Estados Unidos e segundo a Abraget, na Califórnia, a cada 3 MW de renováveis contratados, deve ser contratado 1 MW térmico. Um reflexo desse momento está no volume de projetos cadastrados no A-6 de agosto, a fonte é a que mais possui volume de capacidade instalada entre todas as fontes com 28,6 GW divididos em 39 projetos.

O avanço das fontes térmicas, lembrou Guilherme Velho, presidente da Apine, traz como consequência o deslocamento das hidrelétricas e que isso deveria ser compensado no que se refere ao MRE, pois afeta o resultado das geradoras. Ainda nesse sentido, a Abrage, representada pelo seu presidente executivo, Flávio Neiva, voltou a defender como alternativa ao GSF a criação de uma banda para cima ou para baixo como a solução para o risco hidrológico aos geradores hidrelétricos.

Compensação para os geradores hidrelétricos pelo deslocamento com a geração térmica.Guilherme Velho, da Apine

No meio do caminho entre os geradores e os consumidores, a associação que representa as transmissoras, a Abrate, relembrou que o setor ainda espera por questões importantes para a continuidade dos investimentos em modernização do parque existente. No geral, o que os participantes dessa parcela do setor elétrico pediram em comum é uma demanda histórica: a previsibilidade e estabilidade de regras.

Planejamento
Essa sinalização de longo prazo apontada como uma das formas de compromisso do governo com o desenvolvimento das diversas fontes encontra respaldo na Empresa de Pesquisa Energética. Agora falando como novo presidente da EPE, Reive Barros, revelou o desejo de apresentar um cronograma de leilões para os próximos dez anos. Essa ideia, continuou, é justamente a de sinalizar como serão os próximos certames e isso dará mais previsibilidade aos agentes de geração e transmissão. A EPE já vem ao longo do último ano detalhando o calendário de leilões, após portaria que determinou que sejam divulgados quais leilões serão realizados.

Em sua avaliação, a divulgação desse cronograma de leilões não corre o risco de se misturar ou interferir no Plano Decenal de Expansão de Energia, já que o plano define a demanda e as opções de geração de energia. “O que queremos é além da portaria, dar previsibilidade”, avisou.

Preço horário será adiado em um ano, para 2020.Rui Altieri, da CCEE

Ainda na fase de planejamento, mas no âmbito da comercialização está a questão do preço horário para o mercado de energia que era esperado para 2019. De acordo com o presidente do Conselho da CCEE, Rui Altieri, a implementação dessa que era uma demanda de diversos agentes foi adiada em um ano. Segundo ele, o cronograma atual não permite superar todos os desafios necessários para a execução segura do PLD horário no início do próximo ano. Porém, a divulgação do PLD Sombra, iniciada em abril deste ano, continuará sendo disponibilizada aos agentes até outubro.

Fazendo parte do mesmo painel, o diretor geral do ONS, Luiz Eduardo Barata, revelou que a expectativa é que a decisão dessa mudança seja corroborada em uma reunião do CPAMP antes de ser oficialmente comunicada. Altieri acrescentou ainda que o setor precisa perseguir o processo de aprimoramento do PLD. Ele destacou que o peso das afluências tem causado grande variação no preço spot de uma semana para outra e que isso é fator de risco para os agentes. “Essa variabilidade é danosa para o mercado”, disse.

Tarifas
A variação do PLD foi um dos pontos que a assessora jurídica da Anace, Mariana Amin, apontou como um dos pontos que devem ser atacados pelo governo na modernização do setor. Em sua avaliação a CP 33 é benéfica ao mercado, mas é necessário reduzir a variação, ao exemplificar que em um horizonte de sete semanas esse indicador variou 500% para mais e para menos. Mas, o principal foco de atuação da entidade é a questão da necessidade de redução das tarifas. Da forma que o texto da consulta está, disse, há a criação de mais um encargo que será pago pelos consumidores, o encargo de lastro. Ao invés de criar novos encargos, disse ela, é possível adotar outras soluções para evitar o custo adicional. Será que todas as soluções para o mercado é o consumidor que deve pagar?”, questionou.

Ainda nessa questão da tarifa a Abrace lembrou da CDE que é o maior encargo do setor. O coordenador de Energia da entidade, Victor Hugo Iocca, classificou a redução deste item como uma medida emergencial. Na avaliação da entidade, tirando esse custo adicional, o Brasil teria um ganho de quatro posições no ranking de competitividade da sua indústria.

Contrários à criação de mais um encargo que o consumidor terá que pagar com a separação entre o lastro e a energia.Mariana Amin, da Anace

Segundo o presidente executivo da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, Nelson Fonseca Leite, a energia brasileira é considerada uma das mais altas do mundo. Contudo, essa situação deve-se especialmente à carga tributária que incide sobre a conta. Ele relatou em sua apresentação que o preço da energia no país está em 11º lugar no mundo entre as mais caras. Mas, ao se excluir os tributos e encargos essa posição em um ranking de 25 países coloca a energia apenas em 23º lugar. “A tarifa brasileira não é das mais caras do mundo. Esses dados de comparação são da Agência Internacional de Energia. De cada R$ 100, R$ 45 são destinados a cobrir encargos e tributos e R$ 35 deve-se à energia”, apontou ele.

Para ele não há como falar em modicidade tarifária no país sem discutir modicidade tributária. O executivo apresentou cálculos que se nada for feito em 2030, o mercado regulado brasileiro terá 7% de aumento na tarifa de energia dos consumidores que não tiverem micro GD logo de início em função do estímulo que o valor mais elevado da tarifa de energia exerce sobre o ACR. “O debate precisa ser acelerado e o esforço da CP 33 não pode ser desprezado”, comentou o presidente da Abradee.

A abertura do mercado livre de forma mais acelerada que a proposta na CP 33 continua a ser a bandeira da Abraceel. O presidente da associação, Reginaldo Medeiros, destacou que para o segmento que representa, a atribuição de preços críveis ao mercado e um cronograma de abertura com menores restrições é o que a entidade defende. Até porque, lembrou ele, já são 20 anos que o setor elétrico discute essa liberalização que não se consuma. Desde a lei 9074 de 1995 havia a possibilidade de reduzir os critérios de elegibilidade ao mercado livre, mas isso não ocorreu.

“O debate precisa ser acelerado e o esforço que todos nós fizemos para a CP 33 não pode ser desprezado. As nossas propostas para os próximos anos do setor estão na nossa contribuição que é aumentar a velocidade de abertura do mercado, são propostas discutidas ao longo de dois anos mas que foram amadurecidas em mais de quatro anos de discussões”, comentou ele. “Nossa visão é de que se protelarmos a modernização do setor, os problemas só vão aumentar, prejudicando a saúde financeira, a sustentabilidade e eficiência do setor”, acrescentou.

Geração Distribuída
Este é o segundo ano de Enase que esta modalidade possui uma mesa de discussões exclusiva. O movimento que reflete o interesse desse mercado é que a maior parte das empresas do setor já possui seu braço de atuação para esse nicho. Outra novidade é que o MME estuda realizar ainda este ano os primeiros leilões de energia envolvendo armazenamento. A ideia é de promover dois certames que vão atender sistemas isolados do estado de Roraima.

De acordo com o presidente da Abaque, Carlos Brandão, esses leilões seriam os primeiros no país. A primeira disputa seria para atender o suprimento de 70 MW de baterias para serviços ancilares para eventual problema na LT de Guri, que vem da Venezuela e abastece o estado. A intenção é que a bateria atue por meia hora até a partida dos motores a diesel.

Brasil terá os primeiros leilões com baterias para atender sistemas isolados.Carlos Brandão, da Abaque

Já o outro leilão seria para 250 MW, cerca de 140 MW médios de soluções híbridas com baterias em microgrids em sistemas de 69kV ao longo das subestações de Roraima, além de pequenas partes isoladas do estado que não possuem acesso à rede. Essa solução híbrida pode envolver várias fontes, como eólica, solar, biomassa e até mesmo diesel.

Além dessas iniciativas, ainda constam da agenda da GD para este ano a possível revisão da Resolução 482 e, mais à frente com o novo modelo do setor, há uma oportunidade de aparar arestas regulatórias e dar ao consumidor e aos agentes sinais melhores. Bárbara Rubin, da ABGD destacou que as perspectivas para este segmento são promissoras. Até o momento a geração distribuída tem um aspecto cultural forte. Ela citou fato de que dos cinco maiores estados em número de conexões há dois cuja irradiação solar não é tão forte: Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Ou seja, a partir de um cenário mais favorável a tendência é de crescimento.

Ao olhar para o futuro, Menel, do Fase, destacou que o projeto derivado da CP 33 é o ponto importante para a os próximos anos, pois a legislação precisa adequar-se aos avanços da modernização do setor como um todo. Ele apontou novas aplicações como a da geração distribuída, da chegada do blockchain e da própria abertura do mercado livre como pontos que precisam ser endereçados. Além disso, por se tratar de lei, essas mudanças trazem maior segurança jurídica e, consequentemente, menor riscos para investidores no país, condição para a expansão do setor elétrico nacional no longo prazo.

Colaboraram Pedro Aurélio Teixeira e Wagner Freire, do Rio de Janeiro