Embate sobre taxação ‘do sol’ encobre aspecto técnico sobre geração e tarifa

Revisão de regra busca reduzir subsídio sem eliminar atratividade da fonte solar

O debate em torno da cobrança de encargo para usuários de geração distribuída (GD) a energia solar pelo uso da rede das distribuidoras, que voltou a ganhar notoriedade após as recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro, garantindo que não haverá “taxação de energia solar”, põe em evidência duas causas nobres não necessariamente opostas: o crescimento das fontes renováveis e a desoneração tarifária. A discussão, no entanto, é técnica e complexa.

A revisão das regras para o uso de GD a energia solar já estava prevista desde 2012. A expectativa era que a norma fosse revista em 2019. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), porém, estendeu as discussões com o setor até o fim do ano passado. A expectativa agora é publicar a nova norma para o segmento no primeiro semestre de 2020.

Pela resolução em vigor, os projetos de GD são isentos do pagamento pelo uso da rede – a chamada tarifa de uso do sistema de distribuição (tusd). Quando a energia gerada pelos painéis fotovoltaicos não é consumida pelo usuário, ela é injetada no sistema. O volume fornecido à rede é descontado da fatura do usuário cobrada pela distribuidora. E a tusd é repartida pelos demais consumidores da concessionária.

Com a intensificação de projetos de GD, devido à redução de custo da energia solar, o subsídio a ser pago pelos demais consumidores tende a se tornar cada vez maior. Estudo feito pelo Ministério da Economia prevê que o sistema de compensação hoje em vigor custaria ao sistema elétrico mais de R$ 56 bilhões, entre 2020 e 2035. Em valor presente, isso seria equivalente a R$ 34 bilhões, diz a pasta.

A proposta colocada em consulta pública pela Aneel prevê que os usuários que já possuem sistemas solares em suas residências só passem a pagar pela tusd a partir de 2031. Para os novos usuários, haverá um gatilho para a cobrança da tusd, quando a capacidade instalada adicional de projetos do tipo no país atingir 4,7 mil megawatts (MW). Hoje, a capa capacidade de GD solar no país é de 1,6 mil MW.

Para as “fazendas solares” – usinas que “alugam” a produção de energia dos painéis para consumidores -, a Aneel propõe que a cobrança tenha início já a partir da publicação da nova resolução.

A indústria de energia solar é contra à proposta. Na avaliação do setor, a nova norma tem potencial para eliminar a atratividade do mercado, que está em estágio inicial e ainda demanda incentivos. O segmento alega ainda que os cálculos da Aneel não levam em conta outros benefícios da fonte solar, como redução de emissões de gases poluentes.

Estudo feito pela Greener, empresa de pesquisa e consultoria especializada no setor, indica que o mercado de GD solar pode perder 50% de seu potencial de crescimento nos próximos cinco anos, caso a proposta atual entre em vigor.

Já um documento elaborado pelo núcleo de estudos e pesquisas do Senado em outubro concluiu que a proposta da Aneel não põe em risco a atratividade do setor. “O prazo para recuperar o investimento aumentará, mas a opção continuará sendo viável economicamente”, informa o documento.

O grau de sensibilidade do assunto pode ser comprovado pela quantidade de manifestações recebidas pela agência na consulta pública sobre o tema. Ao todo, foram enviadas mais de 160 contribuições.

Nesta semana, as duas principais entidades envolvidas no assunto se manifestaram sobre as declarações do presidente da República. A Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) elogiou a articulação entre Bolsonaro e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pela criação de um projeto de lei proibindo a taxação da energia gerada por radiação solar.

Em nota, o presidente da Absolar, Rodrigo Sauaia, disse que a articulação é uma  “iniciativa suprapartidária em prol do desenvolvimento econômico e sustentável do país, com geração de emprego e renda, atração de investimentos privados, redução de custos para famílias, empresas e produtores rurais, com mais liberdade de escolha para os consumidores”.

Já a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) destacou que, se os subsídios forem mantidos como estão, em cerca de dois anos, eles atingirão R$ 2,5 bilhões anuais concedidos a pouco mais de 600 mil beneficiados. “Para se ter uma ideia, será maior do que o desconto dado na tarifa social aos consumidores de baixa renda, que são mais de 9 milhões em todo o Brasil”, informou a entidade, em nota.

No meio do fogo cruzado, a Aneel já acenou com a possibilidade de adiar em 25 anos o início da cobrança da tusd para os atuais usuários.

Segundo Lavinia Hollanda, sócia e diretora-executiva da consultoria Escopo Energia, a agência tem atuado de maneira técnica, promovendo uma ampla discussão sobre o aperfeiçoamento de regras que já era previsto.

“Pelas regras atuais, o consumidor que não tem instalação solar fotovoltaica, ou seja, a imensa maioria da população, em particular o consumidor com menor consumo e menor poder de pagamento, está sendo onerado em sua tarifa, subsidiando implicitamente o prossumidor [consumidor que tem GD solar], que utiliza a rede, mas não paga a tusd no atual atual sistema de compensação”, disse ela.

Para a especialista, o debate atual conta com informações equivocadas e ganhou contornos políticos. Por isso, explicou, é importante a Aneel promover uma campanha informativa sobre o tema.

Em qualquer cenário, porém, a expectativa do governo é de aumento de investimentos em energia solar. A versão preliminar do Plano Decenal de Expansão de Energia PDE) 2029, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), prevê que, mesmo com as mudanças regulatórias, a capacidade da GD alcançará 11 mil MW no fim da próxima década, com investimentos de R$ 50 bilhões.

Por Rodrigo Polito – Do Rio – 09/01/2020