Desafios para a competitividade e expansão da inserção de Pequenas Centrais Hidrelétricas na matriz energética brasileira

A expansão do segmento PCH/CGH tem sido confrontada por uma participação marginal na contratação de nova capacidade de geração de energia elétrica no ambiente regulado nacional, prejudicada por um elevado preço de referência para viabilização de empreendimentos comparativamente a outras fontes.

A geração de energia elétrica no Brasil é, e tem sido há décadas, essencialmente a partir de fontes hídricas. Aproveitando o grande potencial hídrico do país, a fonte representa 64% da potência total, com mais de 109 GW instalados. Dentro disso, se encontram as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH), com potencial gerador inferior a 30 MW, e as Centrais Geradoras Hidráulicas (CGH), com potencial de até 5 MW.

Estas usinas, apesar de serem renováveis, com baixo impacto ambiental, e de promoverem significativos benefícios socioeconômicos ao país, ainda são alvo de diversos questionamentos pela sociedade e perpassam desafios específicos, principalmente se comparadas a outras fontes alternativas de energia.

Além desses questionamentos, a expansão do segmento PCH/CGH tem sido confrontada por uma participação marginal na contratação de nova capacidade de geração de energia elétrica no ambiente regulado nacional, prejudicada por um elevado preço de referência para viabilização de empreendimentos comparativamente a outras fontes. A competitividade do preço da energia gerada é um reflexo de fatores variados, dentre eles a legislação, a natureza da fonte e fatores regulatórios e estruturantes do setor, que caracterizam o percurso de instalação dessas e de outras usinas no país.

No estudo realizado identificamos 7 grandes desafios chave para as PCH/CGH que através da análise profunda das suas especificidades locais e também da análise das experiências de outros países nos mesmos temas, nos permite não só desmistificar algumas das visões comuns no mercado, como também construir caminhos para uma maior competitividade das fontes PCH/CGH versus as demais fontes de mercado por todos os benefícios que geram para o setor, consumidor e sociedade em geral.

Desafios para a competitividade de PCHs e CGHs no Brasil hoje

De forma unânime entre agentes do setor, o licenciamento ambiental é considerado o primeiro e talvez mais complexo desafio a ser percorrido para a instalação de uma pequena central hidrelétrica hoje no Brasil. Longo, com duração média de 7 a 11 anos para uma PCH/CGH, e oneroso, envolvendo os mais variados agentes entre os órgãos do país, o processo de licenciamento para a fonte exige estudos ambientais e requisitos legais de maior complexidade que aquele para viabilização de empreendimentos eólicos ou solares, por exemplo. Isso acontece devido à natureza das instalações hídricas, que envolvem obras civis e áreas de alagamento associadas. Entretanto, mesmo que continue envolvendo os importantes mecanismos de avaliação e mitigação de impactos hoje utilizados – como estudos de impacto ambiental e inventário hidrelétrico, o processo de licenciamento atual evidencia diversas oportunidades de simplificação e padronização de processos entre os diversos estados brasileiros.

Países que estão em estágios mais avançados em termos de políticas energéticas têm buscado unificar licenças ambientais e reduzir seus prazos de obtenção, como é o caso da França, que o fez em busca de maior transparência e agilidade ao processo. Além disso, essa simplificação possibilita centralizar o contato em apenas um agente, análogo ao Ministério de Minas e Energia (MME), que assume o papel de acionar outras potenciais partes interessadas de forma consultiva. Outro aspecto relevante, adotado por países como Estados Unidos e Inglaterra, é a clara definição das modalidades de licença ambiental existentes e seus casos de aplicação. Além de reduzir a complexidade, os custos e os prazos na consulta pública de projetos e de tornar o processo mais uniforme entre estados, uma legislação que inclui esses pontos é benéfica a empreendedores ao evitar interpretação discricionária. Ainda, é importante que a legislação se estenda ao processo de obtenção das licenças, incluindo devida padronização dos estudos e documentos exigidos em cada modalidade e considerando interfaces entre projetos localizados na mesma área de influência, e que prolongue a duração das licenças, de forma a se adequar melhor aos prazos de autorização das usinas.

Hoje, no Brasil, os procedimentos e os prazos de aprovação das licenças ambientais são os pontos críticos para a existência de padronização entre os estados. Apesar disso, já se vê projetos de lei que propõem mudanças significativas, como é o caso do PL nº 3.729/2004, que inclui uma definição clara das licenças, a revisão e diminuição dos prazos de obtenção, a prorrogação automática das licenças e o aproveitamento de interfaces entre diferentes projetos. Se discute, por último, o envolvimento de órgãos estaduais nos inventários dos rios, solução promovida pela ANEEL de forma a ampliar a participação de agentes variados no processo de estudos e implantação de empreendimentos hidrelétricos, que auxilia o projeto a obter uma condição de pré-viabilidade.

Dentre os desafios específicos que PCHs/CGHs enfrentam para se tornarem competitivas no cenário brasileiro, além do licenciamento ambiental, tem-se o elevado CAPEX a ser investido no empreendimento para sua viabilização. Esse tipo de usina possui um perfil fortemente customizado, devido à necessidade de ser adequada à realidade do espaço e do rio em que será instalada. Isso faz com que, em primeiro lugar, a maior parte do investimento seja destinado à construção da usina e não à compra de equipamentos previamente produzidos, e, em segundo lugar, que a produção dos equipamentos utilizados não seja escalável, pelo alto grau de personalização. Uma redução nos valores desses equipamentos, ainda que possível, dependeria da produção em escala para amortização dos custos fixos em um cenário de contratação de maior volume de energia da fonte em leilões, que é, por sua vez, dificultada pelo alto investimento necessário, se tornando um ciclo vicioso.

O alto investimento necessário à construção de uma PCH/CGH é relativo na comparação com outras fontes, dado que o seu investimento é suficiente para construir uma usina que pode alcançar 100 anos ou mais de vida útil, em comparação ao tempo de 25 a 55 anos de operação estimados para as fontes não-hídricas.

Além de aspectos particulares do segmento PCH/CGH que dificultam a sua maior participação na matriz energética brasileira, tem-se hoje um cenário de não isonomia entre as diferentes fontes de energia elétrica, que favorece desigualmente alguma frente às outras. É o que ocorre com o financiamento de projetos de empreendimentos elétricos. À medida que fontes alternativas de financiamento como debêntures e financiamentos em moeda estrangeira ainda não possuem taxas competitivas ou incorrem maiores riscos (ex: risco cambial), os empreendedores ficam limitados ao financiamento público subsidiado, o qual vem incentivando mais, nos últimos anos, outras fontes renováveis como usinas solares e termelétricas à biomassa, além de possuir diferenças de taxas entre regiões (Sudeste vs. Nordeste).

Ainda mais críticos para PCHs/CGHs são os diferentes benefícios fiscais e tributários e os programas de incentivo regional que privilegiam mais outras fontes renováveis. Eólicas e solares possuem isenções e incentivos em maior proporção em tributos como Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto de Importação (II), benefícios ainda mais significativos ao se considerar a participação do custo de equipamentos, no qual esses impostos incidem, no investimento total de usinas desse tipo. Além desses, programas de desenvolvimento regional como a SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) e a SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), que buscam promover o desenvolvimento econômico pela concessão de uma série de benefícios aos investimentos nessas regiões, como a isenção de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em equipamentos e a redução no Imposto de Renda, contribuem para aumentar distorções entre as fontes.

As PCHs/CGHs são fontes com atributos especiais e distintos das demais fontes que na nossa visão não estão sendo remunerados adequadamente e que merecem ser valorizados pela sua importância para o sistema elétrico nacional. Dentre os aspectos da sua geração, destaca-se o perfil de geração de energia renovável não intermitente. Isso significa que as PCHs/CGHs são capazes de sustentar a sazonalidade da própria demanda. E por possuírem um fator de capacidade médio comparativamente elevado, com produção efetiva em cerca de 60% da sua potência máxima de geração, promovem melhor utilização do sistema de transmissão interligado. Além disso, têm perfil de geração distribuída, próxima aos pontos de carga, de maneira a reduzir as perdas de energia no Sistema Integrado Nacional (SIN) e de evitar ou postergar a utilização de linhas de transmissão e subestações. São, ainda, despacháveis em curto período, o que facilita o atendimento da demanda em horário de ponta. Tais atributos da geração de energia são associados a menores custos alocados ao SIN promovendo, consequentemente, menores tarifas de energia elétrica pagas pelo consumidor final.

Apesar disso, o tempo autorizado no Brasil para a concessão dessas usinas foi estabelecido em apenas 30 anos, em grande contraste ao seu elevado tempo real de operação. Mesmo existindo a possibilidade de renovação dessa concessão por mais 30 anos após o final do primeiro período, a não aderência das concessões à realidade de operação das usinas hidrelétricas têm impacto na viabilidade desses empreendimentos, se tornando mais um desafio à sua competitividade. Assim, o período de autorização prolongado de concessão se evidencia como uma importante opção, a qual países vizinhos como Chile e Colômbia já aderiram ao implementarem a autorização perpétua.

Um outro importante desafio que o segmento PCH/CGH enfrenta, se estabelecendo de forma complementar aos outros, está relacionado às definições regulatórias do modelo atual de contratação de energia. As incertezas regulatórias que existem hoje, associadas ao Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), à implantação de um Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) horário e à abertura do mercado livre, por exemplo, são pontos de atenção que geram desincentivo aos investimentos e podem onerar a competitividade de PCHs/CGHs, assim como de outros agentes geradores, assuntos que estão sendo endereçados pelas discussões para a modernização do setor elétrico.

Apesar do grande espaço para melhorias que visem atualizar a contratação e o ambiente de geração de energia, os leilões do último ano (2019) apresentaram um resultado ligeiramente mais positivo para o segmento PCH/CGH. Porém, para realmente superarem os desafios que tornam a competitividade entre as fontes de energia desigual e que dificultam a comercialização do segmento frente a outras renováveis, devem ser alavancados os importantes atributos que a geração de energia por PCHs/CGHs promove ao sistema.

Cláudio Gonçalves é sócio responsável pela prática de Energia na Kearney Brasil

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