Crédito mais caro elevará preços nos leilões

Por Natalia Viri e Rodrigo Polito

Valor, 13/08/2015

Em meio à desaceleração da economia, a diminuição dos empréstimos do BNDES e o crédito mais caro, o governo vai ter que subir os preços-teto oferecidos nos leilões de geração e transmissão, se quiser colocar de pé os R$ 186 bilhões em investimentos até 2018, conforme anunciado ontem, dizem especialistas ouvidos pelo Valor.

“A grande questão é de onde virá o dinheiro. A situação econômica está difícil e os juros, bem mais altos. O governo vai ter que ser mais realista nos preços [oferecidos nos leilões] para atrair empreendedores, especialmente os estrangeiros”, aponta Thais Prandini, sócia da consultoria Thymos Energia.

O BNDES diminuiu a parcela de itens financiáveis dos projetos de transmissão e de grandes hidrelétricas, de 70% para 50%. Para os projetos de energias renováveis – que incluem eólicas, biomassa e energia solar -, o percentual máximo ainda é de 70%, mas dificilmente é alcançado.

Além da diminuição nos itens financiáveis e do aumento da taxa de juros de longo prazo, o spread de crédito, cobrado pelo banco de acordo com o perfil de crédito de cada empreendedor está bem mais caro, diz Marcelo Girão, chefe da área de project finance para projetos de energia do Itaú BBA. “Claramente, o BNDES está muito mais conservador”, afirma.

De acordo com Girão, as debêntures de infraestrutura são uma alternativa, mas ainda estão “engatinhando” e precisam ganhar a confiança do mercado. Outros instrumentos, como empréstimos multilaterais, estão sendo utilizados, mas também são incipientes. “Crédito de mercado é mais caro e isso tem que ser incorporado na tarifa. É fato, a energia se transformou em um insumo mais caro”, diz.

Empresários já apontam o preço baixo como um impeditivo para atrair oferta para o próximo leilão A-3, com entrega de energia em três anos, que ocorre no dia 21. As eólicas argumentam que o preço-teto de R$ 184 por megawatt-hora (MWh) para a fonte, apesar de ser 30% maior do que no leilão de mesma modalidade do ano passado, não acomoda o encarecimento do crédito e a variação cambial.

Para as térmicas a gás, o preço de R$ 218 por MWh, muito abaixo dos R$ 281 por MWh do leilão da primeira metade do ano, está “totalmente distante da realidade”, segundo o diretor financeiro da AES Tietê, Francisco Morandi. Ele esperava um valor acima dos R$ 300 por MWh para conseguir emplacar os projetos.

Os analistas apontam que o desafio é um pouco menor para o setor de transmissão. A previsão do governo é que sejam investidos R$ 70 bilhões em novas linhas até o fim de 2018 – no mês passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica já havia anunciado que, somente em 2015 e 2016, serão licitados projetos que exigem R$ 40 bilhões em aportes.

Segundo Thais, da Thymos, há um grande apetite de investidores chineses e espanhóis pelo setor de transmissão no Brasil, de forma que os estrangeiros podem acabar respondendo por boa parte dos investimentos previstos para o segmento nos próximos anos. Além disso, a taxa mínima de remuneração dos projetos (dada pelo WACC, na sigla em inglês) subiu de 5,5% para uma faixa entre 7,63% e 7,86% neste ano, o que torna os projetos mais atrativos.

Girão, do Itaú BBA, ressalta ainda que os linhões tem menos dificuldades para se financiar via mercado de capitais. Com menos riscos regulatórios e fluxo de caixa bastante previsível, diversos projetos conseguem captar recursos via emissão de debêntures simples, por exemplo, o que pode ajudar a compensar a redução do papel do BNDES.

Uma novidade relevante, na avaliação do executivo, foi a sinalização do governo de que pretende facilitar o licenciamento ambiental dos projetos, que é um grande entrave, principalmente para as grandes hidrelétricas e linhas de transmissão. “Se isso realmente se materializar, como vem indicando a agenda com o Senado, tira um grande risco”, argumenta.

Apesar de expressivo, o montante de R$ 186 bilhões em investimentos em geração e transmissão até 2018 não surpreendeu. Analistas apontam que não foi anunciado nenhum projeto que já não fosse esperado e que o plano de energia, na verdade, foi uma “prévia” do Plano Decenal de Energia (PDE), atualizado anualmente.

O coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Nivalde de Castro, considerou que o plano divulgado foi uma avaliação feita pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) com base nos projetos que a estatal acredita que irão a leilão nos próximos três anos, com um valor estimado para cada um deles.

“Os riscos e incertezas do setor elétrico hoje não foram considerados no levantamento”, explicou Castro, lembrando que questões atuais do mercado, como a indefinição sobre as despesas com o déficit de geração hídrica, estão pendentes e não tiveram uma solução definida.