PCHs: Aspectos socioambientais positivos da implantação de uma matriz energética limpa

Por Juliana Villas Boas Carvalho de Paiva, Delfim Rocha, Thiago Alencar, Gilmar Baumgartner, Magda Greco, Marcela Carvalho e Hélen Regina Mota

1. INTRODUÇÃO

A relevância da geração hidrelétrica para a matriz energética brasileira é inegável. Instituições como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a cargo do planejamento energético nacional, têm reiterado essa importância em função da complementariedade com outras fontes intermitentes, como a eólica e a solar; de sua partida rápida, que permite, em conjunto com outras alternativas energéticas renováveis, garantir a necessária segurança operacional; e da manutenção de uma matriz de baixo carbono.

Nesse contexto, as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), com potencial gerador inferior a 30 MW, guardam destaque ainda maior em função seus vários benefícios operacionais que revertem, inclusive, em menores custos de energia para o consumidor final. Segundo estudo independente realizado pela ATKearney, contribuem para essa realidade (i) a proximidade dos centros de consumo, reduzindo perdas na transmissão; (ii) a cadeia produtiva integralmente nacional, especialmente no tocante à fabricação de equipamentos e à construção civil; e (ii) a geração de 40% mais receita para o País, nos períodos prévio e de operação comercial, quando comparadas com outras fontes atualmente mais populares de geração de energia limpa, como as solares e as eólicas.

Embora possam ser construídas em cerca de dois anos, um dos maiores desafios sofridos atualmente pelas PCHs é o alongamento de seus processos de licenciamento ambiental, motivado, muitas vezes, por tentativas de vários agentes – algumas bem sucedidas – de retardamento ou interrupção de estudos, projetos, implantação e mesmo operação desses empreendimentos. Para isso apregoam-se muitos impactos ambientais supostamente gerados pelas PCHs, que superariam, em muito, as externalidades positivas da fonte, principalmente de natureza socioeconômica, refletidas nas melhorias dos índices de desenvolvimento e de finanças públicas municipais, conforme revelam estudos de instituições de ilibada competência técnica, como o Instituto Acende Brasil.

Não há dúvidas de que, assim como todas as outras fontes, as PCHs também produzem impactos socioambientais, mas há que se dar a devida relatividade às suas magnitudes. Pouco (ou nada) se comenta ou se aborda tecnicamente sobre estudos de casos de benefícios ambientais trazidos por esses empreendimentos. Assim, este artigo tem por objetivo apresentar aspectos e ganhos ambientais positivos desta fonte, que vão além de uma matriz energética de geração limpa.

2. ALÉM DA GERAÇÃO DA ENERGIA LIMPA

Uma PCH possui enquadramento ambiental e deve passar por licenciamento pelos órgãos ambientais competentes, obtendo-se assim as três licenças previstas na legislação brasileira: (i) Licença Prévia (viabilidade ambiental); Licença de Instalação (instalação da obra/empreendimento) e Licença de Operação (início e continuidade das atividades). Para cada uma das etapas, são necessários estudos ambientais específicos que visam a caracterização socioambiental das diferentes áreas de influência do empreendimento, a definição e quantificação dos impactos associados, bem como a apresentação de Programas Ambientais que visam mitigar ou compensar os impactos negativos, bem como alavancar aqueles de natureza positiva.

No entanto, além da mitigação e/ou compensação dos impactos negativos, as PCHs podem apresentar, em seu processo de implantação, serviços socioambientais relacionados, entre outros, à qualidade da água do recurso hídrico que esteja instalado, à biota aquática e aos fragmentos florestais do seu entorno. Mais do que isso, mesmo quando o empreendimento não se viabiliza, há disseminação de conhecimento sobre a bacia, já que os levantamentos feitos pelo empreendimento, notadamente sobre erosão, qualidade de água, vegetação e fauna aquática, passam a compor um acervo de conhecimento sobre a bacia que muitas vezes não existia, permitindo que os órgãos gestores possam desenvolver outros estudos para conhecimento completo da bacia.

A transformação de um ecossistema de rio em um reservatório promove o surgimento de regiões com características intermediárias entre regimes lóticos (rio) e lênticos (lagos). Essa transformação ao longo do eixo rio-barragem tem como consequência alterações como tempo de residência, circulação da água, transporte de sedimentos e a dinâmica de nutrientes, entre outros.

Entre os nutrientes que podem alterar um corpo hídrico destaca-se o fósforo que, em altas concentrações, leva à eutrofização das águas, ou seja, a um aumento da produção de matéria vegetal. No caso de lagos, represas e rios, esse processo consiste no rápido desenvolvimento de plantas aquáticas, inicialmente cianobactérias, ou algas verdes azuis, as quais produzem substâncias tóxicas que podem afetar a saúde do homem e causar a mortalidade de animais e intoxicação.

O excesso de fósforo nos corpos d´água é proveniente do aumento da carga poluidora advinda de aglomerações populacionais sem as devidas providências de esgotamento e tratamento sanitário; instalação de indústrias sem mecanismos de tratamento de efluentes; excesso da utilização de fertilizantes; técnicas inadequadas de manejo do solo, entre outros.

Monitoramentos e projetos de pesquisa envolvendo uma PCH concluíram que o reservatório da usina está amortizando as cargas externas de fósforo, funcionando como uma grande bacia de decantação. Trata-se da PCH Gafanhoto, localizada no rio Pará, afluente do rio São Francisco, na região urbana do município de Divinópolis, centro-oeste de Minas Gerais. A bacia de drenagem da PCH recebe esgotos industriais e domésticos de população de aproximadamente 115 mil habitantes. A PCH verte água com concentrações de fósforo mais baixas do que recebe, o que pode ser visto como um ganho ambiental para a população que reside a jusante do barramento.

No que se refere à ictiofauna, a literatura tem dado ênfase aos efeitos negativos das PCHs, e muitas vezes equiparado estes impactos aos provocados pelos grandes empreendimentos. Há, contudo, estudos que demonstram que as PCHs podem gerar efeitos positivos também na perspectiva da ictiofauna.

O aumento da abundância de alguns peixes após o represamento foi descrito por estudos específicos, que destacam, em seu modelo conceitual, que a produção pesqueira aumenta nos primeiros anos de formação de reservatórios, reduzindo posteriormente, mas mantendo-se em nível maior que aquele verificado antes do represamento. Este aumento na abundância, na maioria dos casos, está associado às espécies sedentárias ou migradoras de curtas distâncias. Este fato pôde ser comprovado por análises que registraram um aumento da abundância de peixes após o reenchimento do reservatório da UHE Salto Osório, alcançando biomassa de peixes superior ao registrado anteriormente.

O fato de os reservatórios de PCHs serem pequenos e com tempo de residência curto – o que mantém uma corrente de água no reservatório – favorece os peixes quanto ao transporte para jusante, principalmente das fases iniciais de desenvolvimento dos peixes (ovos e larvas).

Comparando os períodos pré e pós enchimento do reservatório da PCH Cantu 2, no rio Cantu (PR), observou-se que a riqueza de espécies, a diversidade e a equitabilidade não apresentaram diferenças significativas antes e após o barramento. Porém, a abundância apresentou diferença significativa entre os períodos, aumentando naquele pós-barramento. O favorecimento de espécies forrageiras em reservatório também foi registrado em estudo científico, que concluiu que a implantação da PCH São Francisco (rio São Francisco Verdadeiro, PR) influenciou positivamente a abundância, estrutura em tamanho e fator de condição de Astyanax aff. fasciatus (espécie forrageira), o que esteve relacionado à maior disponibilidade de alimento e habitats após o represamento.

Em qualquer ecossistema aquático, o aumento da abundância ou biomassa das espécies sedentárias de peixes, que são fonte de alimento, representa um incremento da possibilidade das espécies de maior porte, que suportam a pesca, manterem uma produção também mais elevada. Portanto, é possível dizer que embora as pequenas centrais hidrelétricas apresentem impactos negativos, os positivos também são registrados, e muitas vezes são tão favoráveis a ponto de sobrepor ou pelo menos igualar os impactos negativos.

Ênfase também deve ser dada ao manejo do ambiente represado, pois a implantação de uma ampla faixa de preservação permanente, a manutenção de paliteiros e a adoção de recifes artificiais podem criar ambientes favoráveis ao desenvolvimento dos peixes em reservatórios e, assim, aumentar sua produtividade pesqueira.

Nesse sentido, a recomposição da vegetação da Área de Preservação Permanente (APP) faz com que sejam obtidas melhorias ambientais no ambiente do entorno do empreendimento. É importante destacar que a área total de APP na fase rio é, em muitos casos, menor que a área total de APP após a implantação do reservatório. Além disso, antes da implantação de PCHs é comum encontrar APPs sem cobertura vegetal. Um exemplo é o caso da PCH São Francisco, acima mencionada.

Para esse empreendimento, ao se analisar a série histórica de imagens de satélite para a região do entorno da usina, é possível verificar a melhoria das condições ambientais (reflorestamento) quando comparadas aos períodos anterior e posterior à implantação do empreendimento. A vegetação arbórea apresentou um crescimento de 15% quando analisados os dois períodos. Além disso, foi possível verificar uma maior conectividade dos fragmentos florestais, garantindo, assim, a melhoria dos corredores ecológicos e do fluxo da fauna terrestre local.

3. CONCLUSÃO

Pelo pouco que se abordou aqui, fica claro que a sustentabilidade da geração de energia hidrelétrica, e em especial das PCHs, deve ser vista sob uma ótica sistêmica. Assim, a relevância estratégica dessa fonte para o País deve ser levada em consideração quando da análise da viabilidade socioambiental dos projetos, ainda mais em um período de busca de retomada do desenvolvimento econômico em um cenário de recuperação pós pandemia, no qual a geração de energia é vital para o País. Obviamente, isso não desobriga os empreendedores de buscar prevenir e minimizar ao máximo, bem como compensar de modo efetivo e adequado, os impactos negativos que possam ser gerados por esses empreendimentos.

Juliana Villas Boas Carvalho de Paiva é Gerente de Assuntos Jurídicos e Regulatórios da Abragel. Delfim Rocha e Thiago Alencar são da Ferreira Rocha Assessoria e Serviços Ambientais. Gilmar Baumgartner é da Biopesca. Magda Greco é da Fio D’Água Consultoria Ambiental. Marcela Carvalho e Hélen Regina Mota são da Cemig.

 

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