PCH e biomassa: Expectativa com novo patamar de preço

Agentes pedem manutenção de preços para os próximos leilões e políticas setoriais para assegurar investimentos

CanalEnergia, 05/05/2015

A disposição do governo de aceitar preços maiores para a energia adquirida de pequenas centrais hidrelétricas e termelétricas a biomassa no leilão A-5 desta quinta-feira, 30 de abril, levantou o ânimo de investidores interessados em retornar aos certames do mercado regulado. Atento aos próximos leilões, o mercado mescla a expectativa de manutenção do novo patamar de preços com certo receio de que as condições ofertadas sofram alterações. A confirmação deve vir no próximo A-3, previsto para 24 de julho.


“Vindo do governo, a gente não tem muita certeza de que pode acontecer. Mas tenho esperança de que [a decisão em relação ao preço teto da energia] seja perene. Demorou muito para que eles se convencessem disso”, avalia a consultora Leontina Pinto, diretora da Engenho Consultoria. Ela acredita que o governo passou a reconhecer que os custos das PCHs são mais altos do que se admitia antes. A professora da UFRJ, observa, porém, que com o aumento de custos das usinas eólicas, afetadas pela variação cambial, a biomassa e a PCH “passaram a ter um competidor não tão competitivo. ” A diretora executiva da consultoria Thymos Energia, Thais Prandini, também espera que a manutenção de preços para as duas fontes se consolide nos próximos leilões. Ela explica que a opção de aumentar o valor da energia de PCH e biomassa foi a forma encontrada pelo governo para dar competitividade às duas fontes.


No caso das pequenas centrais hidrelétricas, explica Thais, os projetos melhores e mais competitivos já foram colocados, e o teto recomendado para os empreendimentos atuais está na faixa dos R$ 210,00MWh, estabelecidos para o A-5. Para os projetos a biomassa, caberiam ajustes no valor em leilões futuros, pois o teto do certame, de R$ 281,00 MWh, ficou mais próximo dos empreendimentos a Gás Natural Liquefeito, o que puxou o valor para cima. “Talvez o preço de R$ 215,00 do último leilão [de fontes alternativas, realizado na segunda-feira passada, 28], ou um pouco mais, possa ser o mais adequado”, analisa.


No setor sucroenergético, há uma cobrança por maior previsibilidade, para resgatar o interesse do investidor nos leilões de energia, e para que a decisão do A-5 “não seja um ponto fora da curva”.  “A memória do setor é de preços ruins para o certame”, lembra o gerente em bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar, Zilmar José de Souza. O especialista revela o receio de que o preço definido para o A-5 desabe depois, e defende uma política de valorização das fontes hídrica e de biomassa. “No caso da bioleletricidade, é um pouquinho mais complicado, porque envolve também o etanol, nosso principal produto, ao lado do açúcar, e, se não tiver uma política dedicada, não adianta. ”


A estimativa da Unica é de que é possível gerar de cinco a seis vezes mais que os 21 mil GWh atuais, que representaram aproximadamente 4% do consumo nacional do ano passado. A geração a partir do bagaço de cana corresponde no ápice da safra, em agosto, a 18% do consumo industrial do país. O cálculo da entidade não inclui o potencial de produção de energia de outras fontes de biomassa, como o biogás de lodo de esgoto e dejetos, resíduos de aterro sanitário, cavaco de madeira, que também precisam de incentivos para serem competitivas.

No caso das PCHs, a conta feita por representantes do segmento é de que o potencial dos projetos disponíveis chega a 10 GW de capacidade instalada. Considerando tudo o que seria possível entrar em operação, a capacidade total da fonte estaria acima da faixa de 14 mil MW, que equivale à potência da hidrelétrica de Itaipu. Relatório recente elaborado pela Associação Brasileira de Fomento às Pequenas Centrais Hidrelétricas mostra que a participação da fonte nos leilões de energia dos últimos nove anos não passou de 1,25% do total negociado. Com melhor desempenho, as térmicas a biomassa tiveram, no mesmo período, participação de 9,7%.


O presidente da AbraPCH, Ivo Pugnaloni, admite que o momento é de esperança, mas revela o temor dos investidores de que outros aspectos que afetam a competitividade da fonte não sejam tratados. Pugnaloni afirma que há pontas soltas a serem amarradas, como as condições de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que não podem piorar; e a melhoria das condições de atuação dos órgãos de licenciamento ambiental nos estados. Thais, da Thymos, concorda que o ambiente macroeconômico mudou e está mais desfavorável aos investimentos. Um reflexo disso foram as alterações nas regras de financiamento do BNDES para diversas fontes de geração. No geral, o acesso a crédito deve ficar mais difícil em 2015, e isso realmente é uma preocupação, pondera a especialista.


Para o presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa, Charles Lenzi, existe preocupação no governo em dar um sinal adequado para as PCHs. Lenzi avalia que isso vai ao encontro do que os investidores consideram como necessário para incentivar a fonte. “A gente vê com expectativa a manutenção do preço-teto. Que novos leilões aconteçam com essa sistemática de preços, dando uma sinalização econômica para o mercado”, diz.


A proposta da Abragel é de que se faça mais de um leilão por ano especificamente para PCHs. Em 2015, seria promovido um segundo A-5 para pequenas hidrelétricas, uma vez que muitos empreendedores deixaram de inscrever seus projetos neste primeiro certame, por não saberem qual seria o preço máximo para a fonte. Thais Prandini concorda que a tendência talvez seja mesmo a de promover leilões segmentados.


A definição antecipada do preço-teto dos certames, para permitir número maior de empreendimentos inscritos, é um pleito comum a sucroalcooleiros e investidores em PCHs. Souza e Lenzi destacam que o cadastramento para a habilitação de projetos nos leilões de energia nova é sempre anterior à divulgação do preço máximo atribuído a cada fonte, só divulgado na aprovação do edital com as regras da licitação. “Hoje temos entre 20 e 30 projetos participando. Se tivéssemos 300 projetos, a competição seria muito maior”, diz o presidente da Abragel.

Pugnaloni, da AbraPCH, levanta outro problema a ser resolvido, que são os prejuízos com a geração abaixo da garantia física das usinas hidráulicas participantes do Mecanismo de Realocação da Energia, especialmente das pequenas hidrelétricas. “Sem resolver essa questão, os empresários ficam desestimulados”, argumenta, após informar que a redução de receita das geradoras com compra de energia mais cara para suprir os contratos chega a 18%. “Somos punidos duas vezes: primeiro, não performamos aquilo que a metodologia do governo federal pensou que seria a realidade da geração. Na hora de comprarmos energia para suprir o que não geramos, temos que comprar do portfolio caro que o próprio governo montou.”


Para Lenzi, da Abragel, regras estáveis e permanentes estimulam a cadeia produtiva do setor, que pode se mobilizar para melhorar processos, reduzir custos e ser mais competitiva. O executivo cita desde escritórios de engenharia e consultorias, até fabricantes de equipamentos e empresas especializadas na construção de plantas de geração.


O interesse pelo retorno dessas usinas aos leilões de energia não se limita, de fato, aos geradores. Presidente e CEO da Voith Hydro Brasil, Marcos Blumer, confirma a expectativa dos fornecedores do mercado de PCHs em relação à retomada da competitividade dos empreendimentos. “As PCHs representam uma fonte de energia limpa, renovável e, o que é mais importante, acumulável, portanto, gerenciável. Sobretudo quando comparada a outras fontes de energia renováveis que estamos adicionando à nossa matriz energética com característica intermitente e não armazenável; além de auxiliarem na questão de manejo de água frente à crise hídrica que vivenciamos em boa parte do nosso território” afirma o executivo.

Blumer garante que cadeia produtiva está capacitada para atender as demandas do setor e destaca os investimentos da Voith Hydro em tecnologia para o segmento de PCHs, como as turbinas Kaplan S, utilizadas em baixas quedas; e Stream Diver, próprias para o aproveitamento hidrelétrico de pequenas vazões e fluxos de água. O fabricante de equipamentos tem participação em projetos na América Latina, como os do grupo HMV, na Colômbia. No Brasil, os empreendimentos mais recentes são as UHEs Santo Antônio do Jari, na divisa dos estados do Amapá e do Pará; Inxu, em Mato Grosso; Indaiá Grande e Indaiazinho, em Mato Grosso do Sul; e Queixada, em Goiás.


O executivo acredita que existe espaço para a realização de leilões separados por fonte, de forma a adequar melhor a matriz, “com a inclusão definitiva das PCHs como fonte estratégica. ” Ele também aponta a necessidade de canais de financiamento diferenciados – como o adotado no Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – e diz que a falta ou a dificuldade de acesso ao crédito pode comprometer o desenvolvimento de novos projetos.

Para Leontina Pinto, da Engenho, investir em fontes de energia como biomassa não é só uma questão de diversificar a matriz elétrica. Usinas com essas características têm a vantagem de estarem localizadas próximas aos centros de carga, especialmente em São Paulo. O mesmo acontece com as PCHs. “A diversificação é nossa maior vantagem”, afirma a especialista. Ela lembra que, como tudo o mais, a previsibilidade no Brasil é um problema. Como não há perspectiva de energia mais barata no cenário atual, a esperança é de que a política para essas fontes se torne permanente, porque o governo não tem para onde correr. Os leilões dessa semana conseguiram viabilizar nove projetos de biomassa e oito PCHs, mostrando que há disposição para investir quando se cria o ambiente adequado para os empreendedores.