Energia Desperdiçada

O Brasil explora pouco fontes alternativas de produção de eletricidade que poderiam ajudar a afastar o risco de deficit no setor

Correio Braziliense, 12/05/2014

O Brasil paga caro por ter escolhido a opção mais barata para sua matriz energética em vez de ter ampliado o mix de possibilidades, investindo mais em fontes alternativas de energia. O setor elétrico está afundado num gargalo sem fim porque o país se tornou dependente de hidrelétricas. Com a falta de chuvas e o baixo nível dos reservatórios, as termelétricas, que deveriam ser acionadas apenas em casos emergenciais, foram incorporadas ao sistema, elevando o custo do megawatt/hora (MWh) a níveis recordes.

Atualmente, térmicas e grandes usinas hidrelétricas geram mais de 90% da energia consumida no país. Mas não faltam alternativas para reduzir essa dependência e a exposição ao preço do MWh no mercado livre, que voltou ao teto de R$ 822,23. Usinas de biomassa, energia solar e eólica e as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) são algumas fontes não convencionais de eletricidade. Projetos de eficiência energética, aproveitamento do oceano, maior utilização do carvão como combustível termelétrico e a microgeração residencial também têm potencial para minimizar o caos do setor, que já está provocando aumento nas tarifas da conta de luz de todos os brasileiros.

Na avaliação de especialistas, se tais fontes alternativas tivessem participado de mais leilões no passado, já estariam operando. No entanto, só agora, depois do aumento no risco de deficit de energia, o governo prevê uma maior participação desses segmentos. Ainda assim, é pouco, dizem os analistas.

A previsão da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) é contratar uma capacidade instalada de 38.269 megawatts (MW) em geração elétrica nos leilões de 2014 a 2018. Desse total, 14.679 MW, ou quase 38%, ainda serão de hidrelétricas. Energias alternativas ficarão com a menor fatia: eólica, com 9.000 MW, solar, 3.500 MW, biomassa, 2.380 MW, térmicas a carvão e gás com 7.500 MW e as PCHs com 1.210 MW.

Para a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeolica), Elbia Melo, nenhuma fonte isolada seria solução para o problema estrutural do Brasil. O conjunto das alternativas, contudo, poderia contribuir muito para a redução do risco. “Há 10 anos, energia eólica era proibitiva pelo alto custo. Hoje, é a segunda fonte mais competitiva, com preço de R$ 130 o MWh, e só perde para hidrelétricas. Mas tem a vantagem de iniciar as operações em dois anos, enquanto grandes usinas precisam de, pelo menos, cinco anos”, observa.
Atualmente, a energia dos ventos tem capacidade instalada para contribuir com 3% do total, destaca Elbia. “Mas temos projetos para aumentar isso para 14 mil MW até 2018, um salto para 8% de participação”, observa. De janeiro a maio, o uso de energia eólica já garantiu uma economia de R$ 1,5 bilhão ao país.

Combustível de menor custo na geração de energia térmica, o carvão mineral ficou de fora dos últimos leilões porque o governo ofereceu um preço máximo de R$ 144 o MWh, considerado baixo para viabilizar os projetos. No entanto, diante do caos energético, as usinas já existentes voltaram a operar com força, e hoje o despacho é recorde, diz o presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral, Fernando Luiz Zancan. “Ao trocar 1 mil MW de óleo combustível pelo carvão, a economia é de R$ 500 milhões por mês”, diz.

O carvão brasileiro, usado nas usinas do Sul do país, é responsável pela geração de 1.700 MW, enquanto o minério importado que abastece os empreendimentos do Nordeste, por mais 1.400 MW. “Isso equivale a 2,4% da matriz brasileira. Já no leilão de setembro, temos como cadastrar mais 1.800 MW de carvão nacional, mas tudo vai depender do preço. Os investimentos podem ir a R$ 10 bilhões se emplacarmos tudo”, ressalta Zancan.

Dependência

As prioridades equivocadas do governo tornaram a atual crise no setor elétrico uma crônica anunciada, na opinião do pesquisador da Embrapa Agroenergia José Dilcio Rocha, que defende maior utilização de biomassa. “O uso de resíduos — bagaço da cana, cavaco de madeira ou casca de arroz —como combustível poderia gerar 14 mil MW, o equivalente à produção de Itaipu”, revela.

O biocombustível não só contribuiria para reduzir a dependência da matriz hidrelétrica, como daria um destino aos resíduos de várias cadeias industriais e agrícolas, hoje desperdiçados. “Temos 400 usinas de bagaço de cana e 100 delas já injetam energia no sistema. Mas muitas vão parar porque ficou inviável operar. O governo se equivocou ao focar só a fonte hidráulica.”

Com participação de 3,6% da matriz brasileira, 462 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) geram 4.600 mil MW atualmente. O presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), Charles Lenzi, sublinha que 669 projetos já protocolados e 141 ainda em elaboração seriam capazes de dobrar a capacidade para 8 mil MW. Os investimentos são estimados em R$ 60 bilhões, com a vantagem de as PCHs serem pulverizadas por todo o país e próximas dos centros de consumo, gerando economia em linhas de transmissão. “Mas o preço deve ser pelo menos de R$ 175 o MWh para não desestimular os empreendedores”, diz. 

O presidente da Associação Brasileira de Fomento às Pequenas Centrais Hidrelétricas (ABRAPCH), Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni, diz que o teto de R$ 112 por MWh limitou a participação das PCHs nos leilões. “Agora melhoraram um pouco, em R$ 148. Mas é o tipo da economia que sai cara porque, ao usar termelétrica, o MWh vai para mais de R$ 800. O governo não simpatiza com nossa fonte, parece que gosta de importar óleo diesel”, lamenta Pugnaloni.


“O governo se equivocou ao focar só a fonte hidráulica”
José Dilcio Rocha,pesquisador da Embrapa Agroenergia

Geração solar ainda precisa ganhar escala

Com uma participação ainda insignificante na matriz energética, a energia solar deveria ser mais utilizada, na opinião do presidente do Instituto de Desenvolvimento de Energias Alternativas na América Latina (Ideal), Mauro Passos. “Pouco se tem feito no Brasil, mas a insolação é grande em todo o território. É uma alternativa subaproveitada”, observa. 

Passos diz que algumas iniciativas usam painéis solares para aquecimento de água, o que reduz o gasto da energia com o chuveiro elétrico. Mas o potencial é muito maior. “As casas, locais comerciais e agroindustriais podem gerar energia para o consumo e ainda comercializar o excedente, gerando a partir de painéis fotovoltaicos nos telhados. A residência passa a ser um local de microgeração de energia. Isso reduziria o problema atual do setor”, afirma. Ele estima entre R$ 10 mil e R$ 15 mil o custo de implantação de um painel em casas de classe média. 

Se a presidente Dilma Rousseff desbloquear as verbas de seu principal programa habitacional, o Minha Casa, Minha Vida (MCMV), o Brasil poderia colocar em prática o maior plano de aquecimento solar para moradias populares da América Latina, defende a Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Dasol/Abrava). A entidade acredita que o país poderá ampliar em 240% a área instalada com painéis solares até o fim deste ano.

“A perspectiva de colocar aquecedor solar em 860 mil residências permite à tecnologia ganhar escala, além de reduzir em R$ 1,5 bilhão o investimento na expansão do parque gerador e distribuidor de energia elétrica”, calcula o urbanista Eduardo Baldacci, que faz parte do GT Solar, grupo coordenado pelo Inmetro, responsável pela definição de critérios de instalação dos coletores solares nas casas do MCMV.

Além das fontes alternativas já em uso no Brasil, o aproveitamento do oceano também poderia mitigar o caos energético. Em aplicação em vários países, as grandes energias utilizáveis se dividem em exploração do gradiente térmico entre a superfície e o fundo do mar, o uso da força das marés e das ondas e a exploração das correntes marinhas.