CanalEnergia – 05 de junho de 2025
Daniel Araujo Carneiro e Ricardo Pigatto
O atual panorama da capacidade remanescente do SIN impõe um desafio importante: a distribuição desigual dessa capacidade, com regiões estratégicas já saturadas e outras com potencial ocioso, porém de difícil aproveitamento devido à limitação de acesso e infraestrutura, em sua maioria, nas redes de distribuição.
O setor elétrico brasileiro acendeu um sinal de alerta com a publicação da Nota Técnica NT-ONS DPL 0038/2025, divulgada em 25 de abril pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O documento apresenta uma análise técnica minuciosa sobre a capacidade remanescente do Sistema Interligado Nacional (SIN) para escoamento de geração de energia, às vésperas do Leilão de Energia Nova A-5/2025 — previsto para agosto. As conclusões levantam sérias preocupações quanto à viabilidade de conexão de novos empreendimentos hidrelétricos com potência até 50MW.
Embora o país mantenha seu compromisso com a diversificação da matriz por meio das fontes renováveis, o cenário exposto pelo ONS revela restrições estruturais no escoamento de energia que, se não forem tratadas com urgência, podem comprometer a competitividade das centrais hidrelétricas de menor porte, fontes estratégicas para a segurança energética e a confiabilidade do sistema brasileiro no médio e longo prazos.
Leilão sob tensão: gargalos podem limitar novos projetos hídricos
O Leilão A-5/2025, voltado à contratação de energia de empreendimentos hidrelétricos com até 50 MW, tem mobilizado grande interesse do setor. No entanto, o atual panorama da capacidade remanescente do SIN impõe um desafio importante: a distribuição desigual dessa capacidade, com regiões estratégicas já saturadas e outras com potencial ocioso, porém de difícil aproveitamento devido à limitação de acesso e infraestrutura, em sua maioria, nas redes de distribuição.
A análise do ONS mostra que as regiões Norte e Nordeste enfrentam sérias limitações das interligações, com barramentos saturados e linhas de transmissão operando no limite. No caso do Nordeste, o cenário é especialmente crítico, marcado por um alto grau de congestionamento decorrente da rápida expansão das fontes solar e eólica. Já no Sudeste, principal centro de consumo e geração do país, a saturação se concentra nas áreas urbanas, onde restrições físicas nas subestações dificultam a conexão de novos empreendimentos.
Nas regiões Sul e Centro-Oeste, ainda existe margem técnica para expansão, especialmente em subestações de menor porte. Contudo, variações sazonais na geração e os fluxos de intercâmbio entre regiões podem limitar temporariamente a capacidade de escoamento, o que adiciona incertezas ao planejamento e eleva o risco para os empreendedores.
CGHs e PCHs podem perder competitividade sem respostas rápidas
As PCHs e CGHs, tradicionais fontes hídricas, descentralizadas geograficamente e de menor impacto ambiental, encontram-se numa encruzilhada. O progressivo esgotamento de capacidade em barramentos já saturados, aliado à ausência de reforços na rede, compromete a viabilidade desses empreendimentos, que vêm perdendo espaço para projetos de maior escala ou situados em regiões com infraestrutura de conexão mais favorável.
Esse cenário compromete a diversificação regional da matriz e enfraquece o papel estratégico dessas fontes no atendimento a cargas locais e na mitigação de perdas na transmissão.
A ausência de sinalizações claras sobre reforços e expansão da malha elétrica tende a desestimular investidores, comprometendo a competitividade dos leilões e reduzindo a diversidade tecnológica dos projetos contratados.
Urgência regulatória: é hora de ampliar a transparência e a coordenação
A Nota Técnica emitida pelo ONS evidencia a urgência de ações imediatas e coordenadas dos órgãos reguladores — ONS, ANEEL, EPE e MME — para evitar distorções que prejudiquem a concorrência e comprometam o abastecimento futuro. O mapeamento realizado deve servir como insumo prioritário para:
- Ampliar a transparência pré-leilão, na fase de cadastramento dos projetos, disponibilizando com antecedência dados atualizados sobre a viabilidade de conexão em cada barramento;
- Estabelecer regras claras de zoneamento, com incentivos a projetos em regiões com capacidade ociosa e desafios estruturais;
- Avaliar mecanismos regionais diferenciados, que promovam competição equitativa e evitem a exclusão de fontes fundamentais ao equilíbrio e à sustentabilidade da matriz.
O setor necessita de estudos complementares e atualizações periódicas da análise do SIN, com maior detalhamento e melhor integração aos planos de expansão da transmissão.
O alinhamento entre os cronogramas de leilões de geração e a implementação de reforços na rede é fundamental para destravar o potencial de CGHs e PCHs em todo o território nacional.
Recomendações para empreendedores e riscos latentes
A nota do ONS também apresenta recomendações técnicas específicas para os empreendedores interessados no leilão A-5/2025. O operador destaca a importância de uma análise cuidadosa da localização dos projetos, do porte adequado à capacidade do sistema e da viabilidade de implantar controles operativos que flexibilizem a geração conforme as condições da rede.
Além disso, a nota alerta para os riscos de sobrecarga, instabilidade de tensão e limites transitórios, que podem tornar inviável a conexão, mesmo em áreas aparentemente disponíveis. As recomendações enfatizam a necessidade de análises econômicas robustas, que considerem esses fatores de risco essenciais para a viabilidade dos projetos.
Outro ponto relevante é que as condições descritas na nota técnica são dinâmicas. Novas contratações, reforços na rede ou alterações no comportamento da carga podem alterar significativamente a capacidade real disponível, o que torna imprescindível o acompanhamento contínuo por parte dos empreendedores e a atualização periódica dos dados técnicos.
Expansão da transmissão é peça-chave na transição energética
A análise do ONS também se articula diretamente com o planejamento da expansão do sistema elétrico. Os gargalos identificados sinalizam a necessidade urgente de reforçar os investimentos em transmissão, de modo a viabilizar a integração eficiente das fontes renováveis — incluindo as hidrelétricas de menor porte — e evitar que a rede se trone um obstáculo à expansão da geração.
A transição energética brasileira, baseada em fontes renováveis e impulsionada pela crescente eletrificação da economia, demanda um planejamento integrado entre geração e transmissão. A ausência dessa coordenação pode resultar em “gargalos crônicos” em áreas estratégicas, comprometendo o avanço de projetos tecnicamente viáveis e ambientalmente desejáveis, fundamentais para a robustez e sustentabilidade do sistema.
Nesse contexto ganha relevância o avanço em soluções tecnológicas, como redes flexíveis, armazenamento de energia e controle de demanda. Essas ferramentas são essenciais para mitigar os efeitos das limitações físicas da rede, contribuindo para um sistema elétrico mais resiliente, eficiente e preparado para os desafios da transição energética.
Conclusão: sinal de alerta aceso — a hora de agir é agora
No leilão A-5 de PCHs, cuja demanda está limitada a 500 MW médios, cerca de 45% dos empreendimentos cadastrados não poderão participar, resultando na exclusão de 1.350 MW dos 3 GW registrados, a maior parte dessa exclusão concentra-se em Estados com baixa capacidade de escoamento, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Goiás, Rondônia e Tocantins.
Apesar das mais de 4 mil obras de transmissão em curso, a reserva de capacidade para a energia solar tem limitado severamente a integração de outras fontes ao sistema. Entre 2013 e 2024, a Receita Anual Permitida (RAP) saltou de R$ 9 bilhões para R$ 46,7 bilhões, refletindo o aumento expressivo dos custos de transmissão, agora acrescidos de equipamentos como compensadores síncronos, necessários para mitigar os efeitos da intermitência da geração solar.
O ônus financeiro dessa expansão recairá, inevitavelmente, sobre os consumidores, enquanto o investimento em outras fontes de energia, como hidrogênio, eólicas e térmicas, torna-se progressivamente menos viável diante das restrições de conexão e dos custos crescentes.
É imperativo que o Poder Concedente promova uma revisão do planejamento energético, de forma a evitar a elevação desnecessária de custos que recairão sobre os consumidores brasileiros. A atual estrutura, que subsidia a fonte solar em mais de R$ 50 bilhões por ano, precisa ser reavaliada, especialmente diante do fato de que esta tecnologia entrega, em média, apenas 20% de sua potência instalada.Para evitar um futuro cenário de escassez energética hídrica, incluindo PCHs e CGHs, torna-se imperativo que o ONS adote uma postura criteriosa e proativa. A imposição de barreiras à implantação dessas fontes, sob a justificativa de reserva de escoamento para um futuro incerto, configura um risco inaceitável para a segurança energética do país.
É fundamental que o órgão regulador priorize a expansão da geração hidrelétrica de menor impacto, reconhecendo seus benefícios ao sistema e seu papel crucial na matriz energética presente e futura, evitando entraves que possam comprometer o suprimento de energia.
Convidamos as entidades do setor elétrico a refletirem com responsabilidade sobre as reais limitações do Sistema Interligado Nacional (SIN) e a se mobilizarem para assegurar um futuro energético que seja, ao mesmo tempo, sustentável, confiável e acessível para todos os brasileiros.
Daniel Araujo Carneiro é diretor da DAC Energia e Ricardo Pigatto é CEO RPI/EBGN/Avir Engenharia
Fonte: CanalEnergia – https://www.canalenergia.com.br/artigos/53312214/competitividade-hidraulica-em-risco-nota-tecnica-do-ons-acende-alerta-para-o-leilao-a-5-2025