Às vésperas da COP28, Câmara avalia prorrogar incentivos para a geração de energia a carvão, que é poluente

Emenda a projeto sobre energia verde e regulamentação de eólicas em alto-mar propõe estender estímulos de R$ 5 bi por ano até 2050

Por Alvaro Gribel — Brasília

29/11/2023 15h50  Atualizado 29/11/2023

Às vésperas do início da Conferência do Clima (COP28), em Dubai, um projeto que lei que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados pode ampliar os incentivos para sete usinas de geração de energia movidas a carvão no Região Sul do país.

Pelas contas da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace), o custo a ser rateado pelos consumidores pode chegar a R$ 5 bilhões por ano.

A proposta entrou de última hora no projeto de lei relatado pelo deputado Zé Vitor (PL-MG) e que trata de energia verde, no caso, a criação do marco regulatório para a geração de energia eólica em alto-mar (offshore). Ou seja, essa ideia de gerar mais energia suja pegou carona em um projeto que pretende incetivar a energia limpa.

Os contratos de geração de energia dessas usinas nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina serão prorrogados até 2050 e terão que operar com 70% da sua capacidade, de forma inflexível. Por isso, esse tipo de contrato é considerado um tipo de subsídio, que terá um custo anual de R$ 5 bilhões aos consumidores, de acordo com a entidade.

— O preço dessa energia também já está pré-definido. Não vai ter nenhum processo competitivo. O carvão do Brasil não é barato, porque é de baixa qualidade. As térmicas também são antigas. Elas poluem mais e são menos eficiente em comparação a usinas mais novas — explicou Victor Iocca, diretor de Energia elétrica da Abrace Energia, que representa os grandes consumidores de energia.

Segundo o relator da proposta, deputado Zé Vitor (PL-MG), no entanto, as termelétricas a carvão têm “papel relevante” para o abastecimento de energia no país, e isso justifica a prorrogação dos contratos, assim como papel social “relevante” nas regiões carboníferas. Ele nega que haja subsídio.

— Não tem subsídio. Estamos apenas prorrogando contratos que já existem para preservar 5 mil empregos na região. O carvão é importante para ajudar na transição energética e entregar energia “firme” ao sistema — afirmou.

Na terça-feira, a Câmara aprovou o regime de urgência nesse projeto, que pode ser votado hoje em plenário, sem passar pelas comissões.

Para Frente Nacional dos Consumidores de Energia, a proposta deturpa um projeto de lei voltado à energia verde e mancha a imagem do país no momento em que a delegação brasileira está em Dubai, para a conferência do clima COP 28.

“A Frente Nacional dos Consumidores de Energia recebeu com indignação a inclusão de mais subsídios ao carvão no projeto que deveria priorizar a continuidade da geração por fontes renováveis. É quase inacreditável que em plena crise climática e na esteira das discussões da COP 28, onde o Brasil pretende ser protagonista, o Congresso Nacional tente impor aos brasileiros mais custos desnecessários na conta de energia e mais CO2 na atmosfera. Lamentavelmente, estamos levando a Dubai uma proposta de agenda cinza e não verde”, diz a Frente.

O projeto de lei que cria o marco regulatório das eólicas em alto-mar vem provocando fortes reações no setor elétrico. Segundo a Frente Nacional dos Consumidores de Energia, o conjunto de temas alheios ao projeto poderá ter um custo adicional ao sistema elétrico de até R$ 28 bilhões. Já o relator da proposta, deputado Zé Vitor (PL-MG), diz, ao contrário, que haverá redução de custos.

Segundo a Frente, o principal tema alheio ao projeto custará cerca de R$ 16 bilhões e se refere ao preço-teto do gás que será comprado para suprir as usinas termelétricas em estados que não tem gás canalizado, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A construção dessas usinas foi tornada obrigatória durante o processo de privatização da Eletrobras. O problema é que não há combustível nessas regiões, e agora o custo para viabilizar o funcionamento dessas térmicas pode se recair sobre os consumidores.

— Essa conta é sem contar os gasodutos, que também terão que ser construídos e tentam empurrar para os consumidores pagarem. Trata-se apenas de retirar o preço máximo para a compra do gás, que está em alta nos mercados internacionais. Quem vai definir o preço serão as próprias distribuidoras de gás, o que não faz o menor sentido. O consumidor terá que pagar — afirmou o presidente da Frente, Luiz Eduardo Barata, ex-diretor-geral do ONS.

Zé Vitor discorda dessa visão.

— Os grandes consumidores de energia não querem pagar pelos custos do sistema no mercado livre. Por isso compram energia mais barata. Essa parte vai ser retirada do texto porque é preciso discutir mais. Esse PL, ao contrário do que afirmam os grandes consumidores, vai reduzir custos – afirmou.

Luiz Eduardo Barata afirma que há R$ 8,6 bilhões em custos extra para a contratação de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), mais R$ 500 milhões para a contratação de energia eólica no Sul do país, e a contratação de térmicas a hidrogênio verde, por mais R$ 3 bilhões.

— O projeto de lei em si já nos parece sem sentido, porque a eólica offshore (no mar) custa quatro vezes o valor da eólica onshore (em terra), e ainda temos muito potencial em terra. O problema é que além disso veio essa conta bilionária — disse.

Entre os assinantes do manifesto da Frente estão a Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (ABRACE), a Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (ABIVIDRO) e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), entre outras.

Já a Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel) é a favor da proposta.

“Com a publicação do relatório do Projeto de Lei 11.247/2018 que trata das diretrizes para exploração de eólicas offshore, cabe destacar que o substitutivo apresentado pelo relator traz importantes alterações e aprimoramentos que, ao contrário do que vem sendo erroneamente noticiado, impactam positivamente o setor elétrico brasileiro”, diz o presidente da Abragel, Charles Lenzi.

Nesta terça, especialistas no setor elétrico, entre eles Edvaldo Santana, Elena Landau, Jerson Kelman e Paulo Pedrosa, assinaram manifesto contrário à aprovação do projeto de lei.

“Assim, reunidos nessa manifestação pública, fazemos um apelo às autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo que interrompam e revertam esse ciclo de distorções e ineficiências impostas aos consumidores e à sociedade, que retiram renda das famílias brasileiras através das suas contas de energia e dos preços dos produtos nacionais, promovem a inflação e custam empregos ao país.

“Precisamos fortalecer a governança do setor e o papel de sua agência reguladora e recuperar a capacidade de construção de políticas energéticas com escolhas feitas de forma transparente em relação a seus custos e benefícios.

“Em especial, provocados por notícias que circulam na mídia, que sinalizam a perspectiva da ampliação de subsídios, reservas de mercado, proteções contrárias aos interesses do setor e da sociedade brasileira, ou que beneficiam parte de agentes do setor, fazemos um apelo para que seja promovido um amplo debate sobre a modernização do setor de energia e que só após esse debate sejam encaminhadas as necessárias medidas de aperfeiçoamento do marco regulatório.”

Fonte: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/11/29/as-vesperas-da-cop-camara-avalia-prorrogar-incentivos-para-carvao-ate-2050-a-um-custo-de-ate-r-3-bi-por-ano.ghtml